O Dr. Márlio Damasceno, ex-advogado da Caixa Beneficente, advogando agora particularmente, conseguiu mais duas vitórias para dois companheiros militares em processos criminais:
A primeira a do Sgt. Nevton de Oliveira Socorro, perante a Comarca de Carira, referente ao processo nº 200665020158, onde o mesmo era acusado de homicídio doloso, tendo o causídico conseguido a absolvição.
Confiram abaixo a sentença que absolveu o Sgt. Nevton abaixo:
Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe
SENTENÇA
Dados do Processo
Número: 200665020158
Classe: Homicídio Doloso
Competência: CARIRA
Ofício: único
Situação: JULGADO
Distribuido Em:15/03/2006
Local do Registro: CARIRA
Julgamento: 13/05/2011
Dados da Parte
Autor: JUSTICA PUBLICA
Pai: NAO CONSTA
Mae: NAO CONSTA
Reu: NEVTON DE OLIVEIRA SOCORRO
Pai: NEVILTON BARRETO SOCORRO
Mae: GENICE DE OLIVEIRA SOCORRO
Advogado(a): MARLIO DAMASCENO CONCEICAO - 2150/SE
I. RELATÓRIO
O Ministério Público Estadual ofertou, em 17 de fevereiro de 2006, com base nos inclusos autos de Inquérito Policial n.º 003/2001 – Delegacia de Polícia de Carira, denúncia contra NEVTON DE OLIVEIRA SOCORRO, devidamente qualificado, alegando que, no dia 05 de fevereiro de 2001, por volta das 12h30, no Povoado Descoberto, Carira, o réu efetuou disparos de arma de fogo contra EDEMILSON DE OLIVEIRA, provocando-lhe ferimentos descritos em laudo necroscópico, que o levaram à morte. O MP, então, requereu a pronúncia do réu pela prática do crime previsto no 121, “caput”, do Código Penal Brasileiro.
A denúncia foi recebida em 15 de março de 2006.
O acusado foi interrogado às fls. 143/145.
Colheita de depoimento de testemunha defensiva à fl. 305.
As partes acordaram na cisão da audiência, sendo colhidos os depoimentos de uma testemunha arrolada pelo MP e de três pela Defesa, às fls. 370/374.
Continuidade e término da instrução, desta feita com a oitiva de testemunha arrolada pelo MP (fls. 377/379).
Em alegações finais, o Ministério Público pediu a desclassificação para o crime do art. 129, § 3.º, do Código Penal (fls. 381/383).
A Defesa, por sua vez, pleiteou o reconhecimento da legítima defesa, com a consequente absolvição do acusado (fls. 387/392).
Dignos de registro, ainda, o laudo de fls. 26/29 (em arma de fogo apreendida, supostamente em poder da vítima); as fotografias de fls. 31/37; o laudo de fls. 53/60 (cadavérico, no ofendido); e o laudo de fls. 77/79 (na viatura policial).
II. FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente, vale dizer que o órgão ministerial alterou a imputação, de homicídio simples para lesão corporal seguida de morte. Aplicável, assim, a previsão do art. 383, do Código de Processo Penal (“O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”). É a chamada “emendatio libelli” (corrigenda do libelo), decorrente dos princípios “iura novit curia” (o juiz conhece o direito) e “naha mihi factum, dabo tibi ius” (narra-me os fatos, que eu te darei o direito).
Pois bem. O tipo do art. 129, § 3.º, do Código Penal, tem a seguinte redação: “Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: (…) Lesão corporal seguida de morte § 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena - reclusão, de quatro a doze anos”. Trata-se de crime preterdoloso, ou preterintencional, cuja característica é a existência de dolo na realização da conduta antecedente (na hipótese, lesão corporal) e culpa no que pertine ao evento ocorrido (“in casu”, a morte do ofendido).
Na situação posta a análise, há prova da materialidade delitiva (Laudo de fls. 53/60, que informa ter o ofendido sofrido lesões, e que essas lesões foram a causa de sua morte). No que concerne à autoria, também é incontestável, pois o próprio acusado admitiu haver desferido o tiro que causou a morte da vítima – fls. 143/145.
Restaria, dessarte, avaliar o elemento subjetivo, isto é:
- se o réu quis ou assumiu o risco do evento morte (e aí estar-se-ia diante de um homicídio doloso); ou
- se o acusado obrou com inobservância do dever de cuidado objetivo, manifestada por imprudência, negligência ou imperícia; se existente, na espécie, a previsibilidade objetiva; se não se operou a previsão; se se verificou o resultado involuntário, o nexo de causalidade, e o juízo de tipicidade (todos elementos configuradores na culpa “stricto sensu”, no que concerne ao resultado morte).
Nesse sentido, vale lembrar o critério da idoneidade-inequivocidade, utilizado pela doutrina para distinguir o delito consumado do tentado, que pode, perfeitamente, ser aplicado à hipótese, também, de desclassificação (na mesma linha, LUÍS JIMÉNES DE ASÚA, citado por DAMÁSIO DE JESUS – Código Penal Anotado, p. 74). A idoneidade vincula-se ao meio perpetrado à prática delituosa; a inequivocidade refere-se à intenção do agente em provocar a lesão ao bem jurídico.
No caso sob exame, o meio utilizado pelo réu (tiro de arma de fogo), mostrou-se idôneo a provocar a morte da vítima, tanto que o evento letal se configurou. Entretanto, a própria sede da lesão de entrada do projétil (região glútea esquerda); a circunstância de apenas um tiro ter atingido o ofendido; e o fato de o réu prestar socorro imediato à vítima, afastam a inequivocidade da intenção de matar, pois quem quer matar não vai atirar nas nádegas, mas sim na região torácica ou na cabeça. Ressalte-se que o acusado é um policial experiente, com treinamento de tiro em pelotão especial, tendo a condição, pois, de, se realmente o quisesse, atingir áreas vitais do ofendido.
Afastada, assim, a presença do dolo na conduta do réu.
Não obstante, a responsabilização do acusado, reitere-se, pode advir de culpa. São indubitáveis: sua atuação voluntária; o nexo de causalidade e o juízo de tipicidade; a previsibilidade objetiva (era perfeitamente previsível que, tendo desferido um tiro na direção do ofendido, a bala poderia atingir região letal, causando a morte da vítima); a ausência de previsão; e a involuntariedade do resultado (pois, caso contrário, estar-se-ia diante de crime doloso, já excluído, conforme acima motivado).
Esclareça-se, aliás, que a voluntariedade, na conduta culposa, verifica-se na escolha da forma de agir (se negligente, imprudente ou imperita), e não no resultado previsível. Esse elemento, por sinal, está umbilicalmente ligado à inobservância do cuidado objetivo necessário. Na hipótese sob julgamento, pode-se concluir que o acusado, confiando na sua destreza como atirador, acreditou, sinceramente, que a morte da vítima não se daria. Esse é o exemplo clássico do que a doutrina denomina de “culpa consciente”.
Em face de tudo o que foi exposto, pode-se concluir que, havendo dúvida razoável acerca da existência do crime de homicídio, mas certeza sobre a ocorrência da lesão corporal seguida de morte, plenamente legítima é a desclassificação da imputação.
A Defesa, no entanto, argumentou que, embora típica, a conduta praticada pelo réu não foi antijurídica, uma vez que ele teria agido sob o manto da excludente da legítima defesa. Reza o art. 25, do Código Penal: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. A doutrina aponta os requisitos da legítima defesa: 1.º agressão injusta, atual ou iminente; 2.º direitos do agredido ou de terceiro, atacado ou ameaçado de dano pela agressão; 3.º repulsa com os meios necessários; 4.º uso moderado de tais meios; 5.º conhecimento da agressão e da necessidade da defesa (vontade de defender-se).
Infelizmente, não existiram testemunhas presenciais do que, efetivamente, ocorreu no dia dos fatos. Há a versão do Ministério Público, de que a vítima não efetuou disparos contra o acusado; este, ao contrário, afirmou que apenas reagiu à agressão inicial do ofendido.
Esclareço, a propósito, com a devida vênia, que as declarações colhidas unilateralmente pelo Ministério Público (fls. 112/121), não podem ser admitidas como prova.
Em primeiro lugar, à luz do disposto no art. 155, do CPP (“O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”). Ou seja, não competiria ao órgão do Ministério Público colher declarações de quem quer que seja, posto que a prova deve ser produzida sob o manto sagrado do contraditório, e frente ao juiz natural, garantias constitucionais (Constituição Federal, art. 5.º LIII e LV), diga-se de passagem, conquistadas a duras penas, após séculos de abusos praticados pelos encarregados da persecução penal.
Em segundo lugar, pois uma das testemunhas ouvidas pelo órgão ministerial, FILADELFO REIS, à fl. 116, disse que “(...) conhecia a vítima, Edimilso; que era uma boa pessoa, trabalhadora; que nunca viu Edimilson com arma de fogo nem envolvido em brigas” (sic). Já em juízo, conforme depoimento gravado em DVD (fl. 379), a mesma testemunha afirmou e reafirmou que não conhecia a vítima. Tamanha discrepância nos depoimentos induz que a sua colheita frente ao Promotor de Justiça não se revestiu da imparcialidade necessária, motivo suficiente para eivar de suspeitas os demais depoimentos colhidos pelo agente ministerial.
Até porque, esses depoimentos, se cotejados com aqueles colhidos na fase do inquérito policial, apresentaram-se absolutamente dissonantes, tornando-se imprestáveis a um juízo afastado de dúvidas (veja-se, acerca disso, o que disseram VALFRIR BERNARDO CORREIA, LUIZ EDUARDO CORREIA, EDSON CLAY BISPO DOS SANTOS e JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS, às fls. 12/13; 15/19; e 38/39 e o que esses mesmos indivíduos afirmaram às 114/115; 119/121). Registre-se que nenhuma dessas testemunhas foi ouvida sob o crivo do contraditório, em virtude de não terem sido encontradas, sendo que uma delas (JOSÉ FRANCISCO DE OLIVEIRA) faleceu, mas, por ser pai do ofendido, e em vista de que não presenciou os fatos, pouco poderia esclarecer a respeito de como o evento, realmente, ocorreu.
Sendo a prova oral produzida pouco esclarecedora, restam os laudos periciais. Note-se que uma arma de fogo, supostamente, foi encontrada com a vítima, e cinco cartuchos estavam deflagrados (fls. 27/29); além disso, a viatura policial foi atingida por um disparo (fls. 77/79). Diante de tais provas, duas conclusões se pode extrair:
1.ª ou o Delegado que apurou os fatos forjou, juntamente com o acusado, a apreensão da arma, bem assim a deflagração de tiros, e também o disparo verificado na viatura, tendo ambos, desta forma, que responder pelo crime do art. 347, do Código Penal (fraude processual);
2.ª ou a versão do réu é verdadeira e, realmente, a vítima efetuou disparos em sua direção, com a arma apreendida, sendo que um dos tiros atingiu a viatura policial.
Desta forma, voltando aos requisitos da legítima defesa, o acusado fez prova de que houve a apreensão de uma arma de fogo, em poder da vítima; provou, bem assim, um disparo contra a viatura; o Ministério Público não fez a contraprova, no sentido de que esses fatos, arguidos e provados pelo réu, não ocorreram, ou que a a apreensão e o tiro foram fraudados.
Disso resulta que foi Edimilson quem, de maneira injusta, iniciou as agressões, desferindo os disparos, sendo que um deles atingiu a viatura policial. Também restou configurada a atualidade da agressão, visto que se deu no momento imediatamente anterior ao disparo efetuado pelo acusado. A defesa foi própria, posto que NEVTON foi o alvo do agressor. Foi defendido bem jurídico relevante, no caso, a própria vida do réu estava em jogo, concretizando, deste modo, a proporcionalidade entre o bem jurídico protegido e o lesado. Uma vez que o réu estava sob disparos de revólver, calibre .38, e se utilizou de uma arma de fogo, à defesa, evidencia-se que a repulsa se deu com os meios necessários. O acusado agiu de maneira moderada, tanto que a vítima sofreu apenas um disparo, e chegou a ser encaminhada ao hospital com vida. O réu tinha ciência da situação de agressão injusta, e da necessidade da repulsa, embora tal exigência seja minoritária na doutrina e na jurisprudência.
O Ministério Público rejeitou a possibilidade de legítima defesa, argumentando que o orifício de entrada do disparo, conforme laudo de fls. 53/60, foi pelas costas e essa circunstância afastaria a excludente de ilicitude. Entretanto, como menciona DAMÁSIO DE JESUS, o disparo de arma de fogo nas costas do agressor, por si só, não afasta a excludente (Código Penal Anotado, p. 116). Foi de conhecimento nacional a possibilidade de um agressor, fugindo, efetuar disparos, na ação policial nos morros cariocas, em que diversos dos perseguidos fugiam, atirando para trás, na direção dos policiais.
A bem da verdade, os fatos estão nebulosos. Contudo, os depoimentos testemunhais sustentados pelo “Parquet”, além de não servirem para afastar, sem sombra de dúvidas, a alegação do réu de que a vítima estava armada e efetuou disparos na sua direção (até porque não houve testemunha presencial do ocorrido), estão em total discrepância com que foi dito durante o inquérito, e foram colhidos ao arrepio do contraditório e na ausência do juiz natural, não podendo embasar um decreto condenatório.
Penso, assim, que há de se aplicar o vetusto princípio “in dubio pro reo”.
III. DISPOSITIVO
Diante do exposto, acolho, em parte, a manifestação do Ministério Público, no sentido de desclassificar a imputação para o delito de lesão corporal seguida de morte; entretanto, restando provada a existência de circunstância que exclui o crime, no caso, a legítima defesa, JULGO IMPROCEDENTE a denúncia, para ABSOLVER o réu NEVTON DE OLIVEIRA SOCORRO, o que faço com fulcro nos arts. 23, II, e 25, do CP, e no art. 415, IV, do CPP.
Entendo que a regra do art. 574, II, do CPP, que previa a remessa necessária em caso de absolvição sumária, por configurar uma excrescência da linha fascista adotada pelo Legislador de 1941, não foi recepcionada pela Constituição de 1988, e mais, foi revogada, tacitamente, pela Lei 11.689/2008.
Assim, após o decurso do prazo de eventual recurso voluntário, sem que haja a interposição de apelação, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
GLAUBER DANTAS REBOUÇAS
Juiz(a) de Direito
A segunda vitória foi em favor do companheiro Edinaldo Araújo, perante a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, referente ao processo de apelação nº 2011304557, onde o militar havia sido condenado inicialmente pela 6ª Vara Criminal da Comarca de Aracaju (Justiça Militar) por lesões corporais, porém o citado advogado, inconformado com a condenação, apelou da decisão e obteve resultado favorável ao companheiro.
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