Para quem assimilou somente um traço repressivo da “defesa da ordem” em passado recente no Brasil, os valores da cidadania e dos direitos humanos podem parecer distantes da polícia, até mesmo antagônicos. Mas ocorreu uma rápida e perceptível mudança da realidade social e política no país de jovem democracia, assim como evoluíram na mesma velocidade os órgãos policiais que constituem parcela inseparável de sua sociedade. Apesar disso, por um inexplicável interesse em focar o passado e não mirar o futuro, muitos dos “novos-velhos” cidadãos não despertaram para o alvorecer da cortejada Constituição Cidadã que trouxe direitos e garantias individuais para todos, indistintamente.
No longo caminho de uma cidadania plena, diante das dimensões de exercício de direitos civis, políticos e sociais, também os policiais militares enfrentaram tempos difíceis: a maior parte do efetivo (todos os cabos e soldados) não podia votar até 1988 de acordo com a Constituição anterior, de 1967 (artigo 142). Passados os episódios do período de transição e a queda (implosão) “do muro” do famoso presídio da Zona Norte de São Paulo, ocorreram rápidas transformações dentro e fora dos intactos e centenários quartéis. A aproximação da Polícia com a Comunidade, marca da filosofia e também da estratégia operacional da Polícia Militar a partir da década de 1990, trouxe uma nova perspectiva que frutifica no século XXI, coroada por uma bem-vinda redução da criminalidade nos espaços em que se estabeleceu.
No consolidado Estado Democrático de Direito testemunha-se um promissor quadro institucional que valoriza a eficiência do órgão policial, por meio da gestão pela qualidade com uso de tecnologia aplicada à segurança pública; do serviço dirigido essencialmente ao cidadão, com a Polícia Comunitária; da promoção dos valores reconhecidos como Direitos Humanos de conquista universal do homem contemporâneo. Existe um firme propósito muito além do simples e frio “respeito” e um regular “cumprimento de normas”. Enfim, encontra-se o caminho iluminado e pavimentado com as melhores práticas e conceitos de humanização no atendimento ao público, em uma nova geração de profissionais formados para observar a essência da atividade policial que objetiva o bem comum, finalidade do próprio Estado nela materializado.
Prova de que a Polícia mudou juntamente com a sociedade é o fato de que, hoje, juízes eleitorais e servidores a serviço da Justiça Eleitoral reivindicam a presença dos agentes policiais cada vez mais próximos das urnas de votação durante os pleitos para a garantia da segurança dos trabalhos, ao passo que a legislação eleitoral em tempo recente havia preconizado “distância mínima” desse mesmo agente para evitar indevidas influências de quem lhes dava ordens. Também a emblemática escolta das urnas é confiada àqueles que outrora se pretendia manter longe dos centros das decisões. Finalmente, um último reduto daqueles que não queriam a presença do policiamento ostensivo no campus da USP, em São Paulo, parece compreender a sua necessidade e legitimidade de ação preventiva naquele espaço, depois de um trágico homicídio de um aluno.
No campo dos direito civis e sociais, a Polícia é Cidadã quando prioriza suas ações em defesa da vida, da integridade física e da dignidade da pessoa humana, com tratamento igualitário a quem quer que necessite dos seus serviços, sempre cuidando da segurança pública que é condição básica para qualquer atividade produtiva. A Polícia é Cidadã e promotora dos Direitos Humanos quando universaliza o seu “atendimento de emergência” ininterruptamente pelo telefone 190, amparando e socorrendo vítimas de toda sorte, não somente encaminhando viaturas para ocorrências puramente policiais. A Polícia é Cidadã quando seus agentes são capazes de se sacrificar em defesa da segurança de alguém que não o conhece pessoalmente, mas identifica nele o esforço legal pelo bem da coletividade. O bom policial é, sim, um idealista.
Superado o interregno de percepção de um órgão de defesa do Estado, a Polícia busca o reconhecimento como legítimo órgão defensor do cidadão e dos seus direitos individuais. A indispensável força policial que nasce junto com o Estado em qualquer sociedade tem na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, preconizada sua missão perene: dentre os dezessete artigos aprovados no mês seguinte à Tomada da Bastilha – marco da Revolução Francesa – se encontra no artigo 12 a previsão da necessária criação de uma chamada “Força Pública” (Force Publique), para a sustentação da garantia dos direitos do homem e do cidadão. Independente do nome do órgão policial, a identidade resgatada não é nova, mas essencial para o bem de todos.
Texto escrito por Adilson Luís Franco Nassaro é Major PM Subcomandante do 32º BPM/I, região de Assis/SP.
Fonte: Abordagem Policial
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