quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O SENSO DE JUSTIÇA DO AUTO DE RESISTÊNCIA FORJADO.

Senso de justiça é o que cada um de nós, interiormente, entende como correto ou incorreto, justo ou injusto, proporcional ou desproporcional. Às vezes, o esforço para entender o senso de justiça dos outros pode servir para aperfeiçoar a noção que possuímos desses conceitos, melhorando nossa forma de agir, nossas defesas e escolhas. Olhemos, por exemplo, para o senso de justiça daquele que admite o extermínio através da repressão policial, inclusive mediante autos de resistência forjados*.

O discurso que sustenta esta defesa geralmente é pronunciado como uma necessidade ético-social: existem seres malévolos, praticantes de perversidades, que merecem ser extirpados da sociedade, para que o mal não continue a se perpetuar. A polícia é a responsável por realizar este trabalho, que, vá lá, é um trabalho sujo, mas é nosso trabalho. É um trabalho justo – ou o mal prevalecerá.

Deste ponto de partida teórico, surgem as célebres expressões, “bandido bom é bandido morto”, “vagabundo tem que morrer”, “traficante, só morto”. Eis o senso de justiça.


Surgem algumas questões não esclarecidas destes entendimentos. Por exemplo, é curioso como este discurso não é sustentado quando as pessoas “más” são, digamos, bem sucedidas: empresários envolvidos em falcatruas, políticos acusados e reacusados de corrupção, grandes celebridades usuárias de drogas ilícitas etc. Policiais civis e militares que comungam da tese do extermínio não podem dizer que lidar com estas pessoas e estes crimes não é da sua competência: seria admitir que seu senso de justiça é seletivo, pois matar extrajudicialmente não exige competência legal.

Sobre este entendimento – de que a atuação letal ilegal da polícia é adequada – deve-se fazer uma divisão, entre os que crêem ingenuamente que se está fazendo o necessário para o bem da sociedade, e os que se utilizam deste discurso para garantir uma estrutura criminosa. Ou seja, é possível que exista um policial que forja um auto de resistência após ter matado um criminoso reincidente, que o incomodava pelo mal que perpetuava. Mas do mesmo modo é possível que um policial forje um auto de resistência porque determinada pessoa (e esta pode ser ou não um autor de crime) ameaçou denunciar que este policial recebia propina de criminosos.

Chega a ser difícil acreditar que alguém, principalmente um policial, possa ser ingênuo ao ponto de ver como medida redentora da segurança pública a prática do extermínio ilegal. É evidente que a reação a qualquer investida contra a vida de alguém, inclusive do policial, deve ter a devida represália, e esta está devidamente amparada pela lei (legítima defesa, lembram?). Mas forjar confrontos sistematicamente, perseguir suspeitos até ter a oportunidade de exterminá-lo e justificar a matança como bem social cheira muito mais a expressão de um contexto criminoso do que heroicidade altruísta.

PS1: Auto de resistência é o documento lavrado sempre que existe resistência à ação policial por parte de um suspeito, tendo este suspeito falecido em virtude da reação policial;

PS2: Que venha a tradicional pergunta (inclusive daqueles que defendem a tese que combato no texto, mas nunca “atuaram” em seu favor): “o que você faria se um bandido matasse sua mãe, esposa, filhos?”.

Fonte: Abordagem Policial (Danillo Ferreira)

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