[Este texto foi escrito e publicado neste blog em 02 de março de 2011. Republicamos agora pela pertinência histórica]
Toda proibição gera clandestinidade. Se não for possível controlar efetivamente o objeto da proibição, em alguns casos, é mais saudável eliminá-la, pois as clandestinidades são ambientes escuros, onde toda sorte de ilegalidades pode aparecer, praticadas por derivação da atitude proibida, ou mesmo por oportunismo. Levando em consideração o caso da proibição de greves praticadas por policiais e bombeiros militares, o que isso nos faz entender?
O fato é que o policial militar ou bombeiro militar que faz greve atualmente está cometendo uma ilicitude. Para não ser apanhado na transgressão, sempre o faz de maneira a difundir a responsabilidade, escondendo-se e desonerando-se de qualquer responsabilidade pelo movimento. Ou faz isso, ou corre o risco de perder o emprego quando o movimento acabar. Por isso as lideranças de greves PM/BM geralmente são da reserva, políticos e/ou ex-policiais.
É neste esconderijo necessário à realização da greve que a “bagunça” e o vandalismo muitas vezes se instala. Já ocorreu de policiais envolvidos com o crime, ou mesmo aqueles com tendências “baderneiras” aproveitarem a sombra que a greve proporciona para cometerem atrocidades. Este é um dos motivos pelos quais considero que deve ser legalizada a greve praticada pelas organizações militares estaduais.
“A sociedade não pode ficar a mercê da criminalidade em virtude de reivindicações classistas”. Concordaria plenamente com a assertiva, muito usada por governantes e pela “opinião pública” para desclassificar os movimentos reivindicatórios dos militares estaduais, caso estivéssemos falando, por exemplo, de juízes que deixassem de condenar criminosos para reivindicar melhorias salariais. Mas este raciocínio não pode ser aplicado aos policiais e bombeiros.
Por quê? Porque estamos falando de exposição da vida, estamos falando de classes trabalhadoras que colocam seu principal bem à disposição da sociedade – algo intrínseco à profissão. Não há como ser policial sem arriscar-se em todos os dias do seu serviço (risco real, constante e iminente). Quem acha que brigar por reconhecimento e condições mínimas de vida para aqueles que inevitavelmente se arriscam em seu trabalho é algo ilegítimo, por favor, faça uma campanha em defesa da escravização dos policiais e bombeiros militares brasileiros – é o que deve defender quem acha que nada justifica uma paralisação das polícias e bombeiros militares.
A greve é um mecanismo mundialmente aceito como controlador dos abusos do empregador (em nosso caso, os governos). Salvo nos países em que as ditaduras prevalecem, esta é uma das únicas formas de impor uma mudança de postura no trato com os trabalhadores. O instituto da greve pode ser visto como um símbolo da democracia nas relações trabalhistas.
Por isso a Constituição Federal de 1988 distribuiu este direito a todos os trabalhadores, exceto aos militares, enquadrados aí os militares estaduais, policiais e bombeiros, aqueles que são responsáveis por gerir a cidadania, inibir a violência e promover a ordem pública.
Mas como exigir dos trabalhadores da segurança pública que façam valer os direitos, se eles próprios têm direitos limitados, são cidadãos pela metade, menores?
“Em vez de legalizar a greve, é melhor criar mecanismos legais para obrigar o Estado a valorizar os policiais e bombeiros brasileiros”: este é o argumento de quem parece viver no paraíso, ou nos discursos politiqueiros de ocasião. Quais mecanismos se criarão para obrigar o Estado a valorizar os servidores militares, se o próprio Estado desobedece a lei?
Quem acha que esses “mecanismos” podem ser criados, deve defender a extinção do direito de greve dos demais trabalhadores, haja vista que todas as greves trazem algum transtorno social.
Por fim, é preciso dizer que a desvalorização e a desídia com os policiais e bombeiros militares geram violência, omissão, corrupção e outros tantos efeitos que a sociedade vive repudiando nas polícias. Deste modo, a criação de um mecanismo eficaz de controle da omissão governamental no campo da segurança pública, o direito de greve, é fundamental para que menos vidas sejam perdidas, e instituições policiais em acordo com o que a democracia prega sejam formadas.
Fonte: Abordagem Policial (Danillo Ferreira)
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