O que está por trás da greve da Polícia Militar baiana
Em face dos últimos acontecimentos relacionados à greve da polícia militar do estado da Bahia, o comitê regional do Partido Comunista Brasileiro neste estado vem a público trazer o seu posicionamento.
Após o fim do regime militar e a restauração da institucionalidade democrático-burguesa sob a hegemonia liberal-conservadora em meados dos anos 1980, não se avançou um passo sequer na implementação de um projeto de reforma das instituições encarregadas por zelar pela segurança pública no sentido de qualificá-las para garantir o gozo dos direitos e a proteção dos cidadãos e cidadãs. Ao invés disto, tais órgãos não apenas preservaram suas estruturas e concepções moldadas na vigência do regime autoritário, como também foram crescentemente contaminados pelo avanço da corrupção policial e o entrelaçamento de alguns de seus segmentos com a criminalidade organizada. Agravando tais circunstâncias, aprofundaram-se as distinções hierárquicas entre a oficialidade e a tropa e a deterioração das condições salariais de praças e soldados.
Por outro lado, as classes dirigentes brasileiras vêm acentuando, nos últimos anos, o uso das forças policiais como instrumento de controle político e social na repressão dos movimentos sociais organizados e na militarização do enfrentamento à delinqüência e ao crime. Verifica-se como conseqüência o agravamento sistemático das condições de trabalho dos policiais, o desgaste das relações entre estes e as grandes massas da população, acirrando o estranhamento entre os integrantes dos corpos policiais e o restante dos trabalhadores brasileiros.
O estado da Bahia não se encontra à margem destas contradições. Muito pelo contrário, tem sido palco, ao longo das últimas décadas, de sucessivos movimentos reivindicatórios, greves e manifestações de protestos protagonizados por praças e soldados da polícia militar. O desenrolar de tais movimentos segue, via de regra, uma trajetória parecida: apresentação das reivindicações pelas entidades representativas dos policiais seguida de negativa em atendê-las por parte das autoridades estaduais; paralisação de efetivos da polícia acompanhada da generalização de atos de violência, roubos, saques, assassinatos e atos de vandalismo que disseminam o pânico entre a população e agravam o sofrimento das massas trabalhadoras; convocação das forças armadas (e atualmente da Força Nacional de Segurança Pública) para “substituir” os militares em greve; punição aos líderes do movimento e assinaturas de acordos para o fim da greve, que acabam não sendo cumpridos em sua plenitude pelas autoridades estaduais, preparando o advento de um novo ciclo de crises e conflitos.
Nem a passagem dos anos, nem a repetição de um conhecido roteiro, nem mesmo a ascensão ao governo da Bahia de forças políticas que durante décadas de ação oposicionista notabilizaram-se pelas críticas contundentes a esta sistemática foram capazes de impedir a reedição deste drama. Novos atores, praticando as mesmas ações e utilizando os mesmos figurinos não podem apresentar qualquer solução de fundo para este velho problema, mas apenas postergá-lo até uma nova irrupção no futuro.
Por onde passa a solução do problema?
Segurança Pública é um anseio social e coletivo composto de propósitos amplos, como direito à vida e a integridade física e mental, proteção contra a violência e às arbitrariedades e o resguardo dos indivíduos diante das vicissitudes da vida em uma sociedade baseada em relações competitivas e muitas vezes agressivas. Sua realização plena requer uma transformação substantiva da realidade social existente. Inversamente, a compreensão segundo a qual a segurança pública constitui um mero “caso de polícia” expressa uma concepção elitista e anti-popular do problema da segurança, preconizando o enfrentamento bélico como caminho para a erradicação da criminalidade, sem enfrentar suas causas mais profundas: o monopólio da propriedade privada, a privação dos direitos econômicos e sociais das grandes massas e a ineficiência culposa de nosso sistema de justiça.
A atual greve da PM baiana é mais um sintoma da crise da política atual de segurança pública. Não só na Bahia, mas em todo território nacional, as avaliações, ainda que genéricas, constatam os mesmo problemas. A baixa remuneração combinada com a inexistência de planos de cargos e salários figuram como alguns dos problemas centrais que cercam o exercício da função policial. O emprego da força, a rigidez hierárquica e o exercício do controle social através de métodos militares se incorporaram à cultura da corporação, características resultantes de um processo de formação inspirado no modelo das forças armadas.
Desta forma, os especialistas são quase unânimes em afirmar que o desenho institucional sobre o qual se baseia a PM afasta-se completamente do adequado a uma instituição que necessita da combinação de planejamento centralizado, sistema operacional flexível e atuação descentralizada. A prioridade conferida aos atos repressivos também se afasta das indicações que sugerem uma ênfase das ações de inteligência, investigativas e de patrulhamento comunitário. Falando em termos objetivos, uma política de segurança centrada na defesa da vida e da integridade física da população e de seus agentes deveria apostar na prevenção dos confrontos (através do controle do fornecimento de armas e drogas aos bandos criminosos), ao invés de premiar e remunerar seus agentes pela participação em combates sangrentos nas invasões, periferias e bairros populares, que produzem mortes dos ambos os lados, aterrorizam e vitimam as populações das áreas onde ocorrem estes conflitos.
A superação da crise que marca profundamente a política de segurança pública na Bahia e no Brasil passa pela promoção de transformações efetivas na estrutura do aparato policial através de sua integração, desmilitarização, depuração de seus quadros, reciclagem e requalificação de seus integrantes, motivação funcional e dignificação salarial de seus membros. Complementarmente, são indispensáveis o exercício do controle social sobre as ações do estado na esfera da segurança pública e a renovação da cultura da corporação, no sentido da defesa da vida e do respeito aos direitos dos demais trabalhadores e dos movimentos sociais.
Por fim, afirmamos que eventos e conflitos como estes que hoje estão ocorrendo na Bahia são conseqüência da brutal desigualdade econômica e social vigente em nossa sociedade, do elitismo e do autoritarismo de nossas classes dirigentes e da desfiguração política das forças de esquerda que integram o bloco governista. Entretanto, é necessário dissociar o debate sobre a segurança pública do embate eleitoral. Cabe aos partidos e grupos políticos de orientação avançada e anticapitalista organizar e mobilizar os movimentos sociais para, conjuntamente, elaborar uma plataforma de transformações estruturais capaz de orientar nossa luta para a superação do estado de coisas atual.
Apresentamos as propostas abaixo como elementos pontuais para um debate de fundo sobre a adoção de uma nova política de segurança para nosso estado.
1. Por uma reforma profunda das instituições policiais, de modo a qualificá-las para a defesa dos direitos políticos, econômicos e sociais da maioria da população, em detrimento da condição de mera força de repressão aos trabalhadores e movimentos sociais e instrumento para o exercício de controle sobre as classes subalternas;
2. Dignificação e valorização do trabalhador policial, com a adoção de novos planos de cargos e salários, remuneração decente, preparo profissional e equipamento adequado;
3. Reformulação dos currículos das escolas, academias e centros de preparação de policiais, de modo a formar militares-cidadãos e não meros executores dos programas de controle político e social em prol das minorias econômicas e sociais;
4. Direito de sindicalização para os policiais;
5. Regulamentação do direito de greve dos policiais;
6. Integração, reestruturação e desmilitarização das instituições policiais.
Salvador, 08 de fevereiro de 2012
Comitê Regional do Partido Comunista Brasileiro no Estado da Bahia
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