segunda-feira, 16 de abril de 2012

CASO VIEIRA: JUSTIÇA OU VENDETTA?

Ao assumir o comando do estado, em janeiro de 2007, mesmo às voltas com uma série de questões de ordem política e administrativa a demandar urgente deliberação e equacionamento, o governador Marcelo Déda, sem pestanejar nem perder tempo, tomou todas as providências para dar imediata concretude a um sério compromisso assumido em plena campanha eleitoral. Já no segundo ou terceiro dia de sua administração, reservou um espaço em sua agenda e, numa solenidade bastante concorrida e tomada pela emoção, assinou um decreto governamental tornando sem efeito decisão do seu antecessor, que mandara para a reserva remunerada, com proventos proporcionais ao tempo de serviço, os oficiais da Polícia Militar tenente-coronel Carlos Augusto, major Lima Alves e major Eduardo.

A decisão do governador recém-empossado não só foi bem vista na caserna como aplaudida pela sociedade, posto que acenava para o início de uma nova era na administração pública sergipana, fundada em um novo estilo de conduzir os destinos do estado e do seu povo, aí incluídos os servidores públicos civis e militares, a quem a reintegração dos três oficiais se afigurou como uma vitória sobre o arbítrio, a tirania e as perseguições motivadas por interesses pouco nobres - naquele caso em particular, resultantes do despreparo, da mesquinharia e da sanha de vingança de certos auxiliares que levaram o então governador a cometer ou deixar que se cometesse uma injustiça histórica.

O estado, porém, seja sob a gestão de Déda ou de quem quer que venha a sucedê-lo, continua a ser palco de constantes e reiterados embates, disputas e conflitos, de maneira que, mais cedo ou mais tarde, eclodem situações que colocam em campos opostos a Administração e segmentos diversos da sociedade. E, dada a dimensão e complexidade da máquina administrativa - composta por milhares de servidores distribuídos em diferentes áreas -, não raro assistimos a graves contendas entre o governo e as entidades representativas de classe, que, independentemente do desfecho, sempre deixam abertas muitas feridas, algumas demasiado profundas e de difícil cicatrização. Daí, mais do que nunca, a importância da cautela, da prudência e do bom-senso na condução de questão dessa natureza, sob pena de se incorrer em graves injustiças e erros irreparáveis - filhos da intransigência e da irracionalidade, jamais da razão e da virtude que devem nortear as ações dos governantes e de seus auxiliares.

Na semana passada, veio a lume a informação de que o Conselho Disciplinar da Polícia Militar, em decisão unânime (3x0), considerou o Sargento Jorge Vieira da Cruz culpado pelos fatos que lhe foram imputados em sede de procedimento administrativo, quais sejam: a) faltar à Operação Visibilidade no dia 14/01/2012; b) participar de uma assembleia dos militares no Cotinguiba Esporte Clube na mesma data; c) instigar, no dia 15/12/2012, os integrantes da Rádio Patrulha a desobedecerem à escala de serviço; e d) faltar ao plantões do Pré-Caju nos dias 19 e 21 de janeiro de 2012, apresentando, não obstante, atestado de doação de sangue no dia 19, a exemplo de outros militares que também o fizeram.

À vista dessas imputações, os membros do Conselho Disciplinar sugeriram a aplicação ao Sargento Vieira da penalidade prevista no art. 18, inciso IV, § 2º, da Lei nº 2.310/80, isto é, sua transferência, por assim dizer, para a reserva remunerada, com proventos proporcionais ao tempo de serviço - o mesmo remédio ministrado aos "subversivos" oficiais nos estertores do último governo João Alves Filho.

De acordo com a mesma lei, compete ao Comandante Geral da Polícia Militar, no prazo de até 20 dias contados do recebimento dos autos do processo, tomar a decisão, podendo aceitar ou não a sugestão do Conselho de Disciplina. O difícil é acreditar, pelo andar da carruagem, que o Comandante Geral tome outra decisão senão aquela sugerida pelo Conselho. E é justamente aqui que deparamos, mais uma vez, com uma daquelas situações dramáticas, que demandam do julgador mais do que o enquadramento forçado de certas condutas atribuídas ao servidor a supostas transgressões contidas na lei, mas o equilíbrio, a isenção e a imparcialidade sem os quais o nobre ato de julgar rebaixa-se ao nível da "vendetta", da perfídia e da represália.

Com todo o respeito aos membros do Conselho Disciplinar - todos eles profissionais dignos e merecedores da nossa mais profunda admiração -, o máximo que se pode extrair do relatório final é que Vieira faltou a três plantões para os quais fora previamente escalado, apresentando atestado em um deles. Logo, querer responsabilizá-lo pelo efetivo insuficiente na prévia carnavalesca ou pela má-qualidade dos serviços de radiopatrulhamento na Jabotiana e adjacências não significa outra coisa senão encontrar um bode expiatório para os graves problemas estruturais por que passa a Polícia Militar.

Não sei a que distância o governador Marcelo Déda vem acompanhando o desenrolar dos fatos. Mas, pela sua sólida formação jurídica e sobretudo em razão do precedente envolvendo os três oficiais por ele reintegrados, sabe-se que o governador tem plena ciência de que todos os atos administrativos devem estar revestidos de razoabilidade e proporcionalidade, do contrário são passíveis de anulação. Daí a pergunta: onde estariam a razoabilidade e a proporcionalidade de um ato administrativo que viesse a mandar para a reserva um servidor militar pela simples ausência a dois plantões, na medida em que as outras imputações baseiam-se em teorias conspiratórias fundadas em conjecturas, achismos e ilações desarrazoadas?

Não se pode arruinar a carreira de um servidor dedicado como o Sargento Vieira por caprichos pessoais, excesso de vaidade ou sentimentos de vingança. Além de não ter cometido crime algum, Vieira foi um dos principais artífices da grande operação que resultou no maior aumento salarial da história da PMSE - mérito que deve ser repartido com o governador Marcelo Déda e sua equipe econômica. E, paradoxo dos paradoxos, aqueles que querem entregar sua cabeça em uma bandeja sabe-se lá a quem foram beneficiários diretos de suas ações e negociações junto ao governo. Portanto, alto lá com essa tão propalada conversa de reserva remunerada! A história costuma ser implacável com aqueles que usam da ingratidão e da covardia como moeda de troca, e dessa vez não será diferente.

Pelo visto, caberá mais uma vez a Marcelo Déda chamar o feito à ordem, desta feita não para desfazer uma injustiça e restabelecer o primado da lei, mas para evitar que se perpetre um ato de iniquidade contra um inocente. Não se trata de tarefa fácil, pois que envolve inúmeros interesses. É por isso que se exigem dos governantes não só cultura e conhecimentos técnicos, mas, acima de tudo, sabedoria e senso de justiça, sobretudo quando atuam como julgadores. Consta que Marcelo Déda é grande admirador do Rei Salomão, o mais sábio julgador de todos os tempos. Portanto, que a estrela do filho de David possa lhe servir de fanal, a fim de que sua decisão seja sábia, justa e desapaixonada.

Fonte: Universo Político (Paulo Márcio - colunista do site e Delegado de Polícia Civil)

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