Hoje ainda ouvimos alguns Oficiais da PM e da BM, defendendo a continuidade da polícia e bombeiros militarizada. Não entendo essa posição conservadora dos oficiais. O militarismo na polícia e bombeiro trata-se de evidente dicotomia. Uma atividade intrinsecamente civil sendo realizada por uma organização militar, por profissionais que devem respeitar as garantias e liberdades individuais do cidadão, o Estado Democrático de Direito, mas que eles próprios não gozam de cidadania plena.
Alguns ainda tentam defender o militarismo sob a alegação de que algumas ações policiais têm caráter militar. Ora, não há que se confundir adotar o modelo militar em situações específicas com agrilhoar profissionais de segurança pública a um retrógrado militarismo, que lhes nega a cidadania e o acesso aos direitos constitucionais garantidos a todos os trabalhadores. Como exigir que um profissional respeite um direito que lhe é negado? É possível dar o que não se tem?
Do mesmo modo que o Senhor Coronel PM Emir Larangeira, eu não aceito de modo nenhum ver um policial ou bombeiro nas ruas protegendo o cidadão e, ao mesmo tempo, podendo ser recolhido preso, encarcerado, porque saiu do serviço cinco minutos antes. E pensar que esse policial ou bombeiro será o mesmo que, nos dias seguintes, estará controlando o trânsito para nossos filhos atravessarem a rua em segurança. Com qual motivação ele cumprirá a árdua tarefa de proteger a sociedade?
Não que eu ache correto sair mais cedo do trabalho. A questão é a proporcionalidade da pena, a diferença de tratamento que é dada a um civil e a um militar. O civil pode desacatar o policial, agredi-lo, e pela Lei nº 9.099/95 não ficará preso. Responderá em liberdade.
Na minha opinião, não é razoável adotar o modelo militar na segurança pública. Não podemos ter a visão equivocada de que o crime é apenas mais uma guerra a ser combatida em território hostil, sob pena de envenenarmos a relação entre o policial e o cidadão. A polícia não pode ser vista como um exército de ocupação. O cidadão infrator não pode ser encarado como um inimigo, muitos menos como um inimigo pessoal.
Um dos objetivos do treinamento militar, talvez o principal, é internalizar no aluno os pilares da hierarquia e da disciplina, a obediência irrestrita aos superiores, o fiel cumprimento do regulamento disciplinar e das normas castrenses. Balzac insinuava que "a vida militar exige poucas ideias". Ainda estão registradas na legislação militar sanções administrativas e penais para quem debate assunto atinente à disciplinar militar, para quem critica atos do governo, para quem se reúne para discutir ato do superior, mesmo que esse ato tenha prejudicado a coletividade e seja manifestamente ilegal ou imoral. De certa forma, é um cerceamento da liberdade de expressão, da liberdade de reunião e da livre atividade intelectual.
Por falar em leis, por que um Código Penal diferenciado para o policial militar, mais rigoroso, com crimes específicos? Correto? Se a resposta é positiva, então vamos criar um Código Penal Médico, um Código Penal de Engenharia, um Código Penal de Mecânica.
Os pilares da hierarquia e da disciplina não podem estar acima dos princípios expressos e reconhecidos da Administração Pública: legalidade, impessoalidade, publicidade, transparência, moralidade, motivação, eficiência, especialização, entre outros. Na verdade, os princípios são muito mais substanciais, atendem muito mais ao clamor público, do que os pilares do militarismo. Do que vale disciplina sem eficiência? Os princípios, sim, são importantes. A Polícia Militar é uma instituição pública, que deve servir ao povo. Logo, exige-se que trabalhe dentro da legalidade, com impessoalidade e moralidade; exige-se transparência em suas ações, publicidade dos atos e das normas administrativas. Hierarquia e disciplina são inerentes a qualquer instituição, pública ou privada.
No militarismo, existem muitos pesos, mas poucos contrapesos. O policial militar deve estar sempre pronto para cumprir a missão, a qualquer hora do dia ou da noite (peso), mas não tem direito a hora-extra nem a adicional noturno (contrapeso). O militar não pode sindicalizar (peso), então como ele vai reinvidar seus direitos (contrapeso)? O policial não pode fazer greve (peso), então como ele vai cobrar dos patrões (contrapeso)? Eu poderia citar outros exemplos, mas creio que já deu para compreender que existe um desequilíbrio nessa "balança", que o ônus nem sempre vem acompanhado do bônus.
A principal tese de defesa contra a desmilitarização das PMs é a alegação de que os militares estaduais cairiam na "vala comum" do sistema previdenciário dos servidores públicos civis. Muitas vezes, para dar dez passos para frente, é preciso dar um para trás. É preciso lembrar também que o compromisso de toda instituição pública é com a sociedade. O foco do sistema não pode ser o próprio sistema.
Ademais, com poucas palavras é possível persuadir a sociedade e os governantes de que os policiais necessitam de um tratamento diferenciado, sobretudo nos sistemas de saúde e previdenciário, em vista da carga de estresse da profissão, dos riscos de morte, invalidez, lesão corporal, degeneração do estado de saúde mental, de contágio por doenças, assim como das responsabilidades civis, administrativas e penais inerentes à atividade policial. O princípio da igualdade consiste em tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades, objetivando alcançar a igualdade plena.
A desmilitarização é um caminho sem volta. Foi registrada nos Princípios e Diretrizes da 1ª Conseg como sendo um dos objetivos a serem alcançados. Embora a desmilitarização não resolva os problemas da segurança pública, libertará os policiais militares da condição de subcidadãos, trazendo-lhes a cidadania plena. Abrirá um caminho para a tão sonhada unificação das policiais estaduais e, consequentemente, para o ciclo completo de polícia.
Fonte: Universo Policial/Blog Consciência Política Policial e Bombeiro Militar/Blog do Anastácio (No Q.A.P)
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