Há entre alguns policiais, em todos os escalões hierárquicos, certo entendimento de que os problemas sociais de responsabilidade da polícia são tal qual uma receita de bolo, que exige apenas três ingredientes para serem solucionados: viatura, arma e colete. Para estes arautos, não há outro insumo que garanta eficácia ou eficiência às atividades policiais – basta colocar o policial na rua munido destes três itens e então a polícia terá feito o que lhe compete, eis tudo.
Policiais que somos, devemos desconfiar sempre do que se vê, de modo que defesas deste tipo, embora ao primeiro golpe de vista nos pareçam ingênuas e pouco refletidas, são, ao contrário, maldosas e convenientemente “preguiçosas”. Ora, se apenas “viatura, arma e colete” como “política” de segurança pública vem sendo um desastre em termos empíricos pelo Brasil afora, é de se estranhar que continuemos insistindo na exclusividade deste paradigma.
Não se quer aqui afirmar que todo policiamento deve ser feito a pé, ou que os policiais devam andar desarmados e sem coletes a prova de bala: este seria o argumento pouco criativo dos opositores ao que apontamos neste texto. Trata-se de ampliar as possibilidades de atuação, ou melhor, de praticar o que deveria ser fundamento e é tratado como acessório, fazendo com que o secundário assuma seu justo lugar. Antes da viatura, do colete e do armamento, três pontos devem ser sustentados por qualquer lógica de atuação policial:
1. O preparo do policial
Em que condições estão os policiais embarcados nas viaturas? Qual aptidão possuem para manusear seus equipamentos? A que cultura organizacional estão submetidos? Trabalham motivados, valorizados e respeitados? São capazes de solucionar problemas de terceiros através de medidas razoáveis? E seus problemas, como andam? São bem formados? Questões que devem ser respondidas anteriormente a qualquer possibilidade de execução do policiamento.
2. A “manipulação” do cidadão como agente colaborador
Sim, este ponto se refere ao conceito de polícia voltada para a resolução de conflitos, para a aproximação e interação com o cidadão. Isto se consegue com convivência, relacionamento e experiências de empatia entre os cidadãos e os policiais. Como conseguir isto com policiais encastelados em suas viaturas velozes – tão úteis a outros objetivos (perseguições, socorros…), mas aparentemente prejudiciais neste caso?
3. A aquisição de informação
Informação é prioridade para a prevenção e/ou repressão qualificada ao crime. Uma central de monitoramento por câmeras vê mais que um bom número de policiais embarcados em viatura, embora não os substitua na ostensividade preventiva. Bancos de dados com informações criminais acessíveis durante o trabalho de rua evitaria muitos transtornos. Comunicação eficiente durante o serviço garantiria maior articulação em várias ações. Por fim, o cidadão bem relacionado com a polícia é quase um policial no sentido de produção de boas informações para a própria polícia.
Mas, como dissemos, a equação que vivemos está invertida: estas cruciais preocupações são quase sempre postas como uma espécie de enfeite político, algo que garanta uma boa foto para a campanha eleitoreira. Mente a corporação policial brasileira que afirma ter priorizado tais elementos, e colocado aquele trinômio no seu devido lugar – apenas uma possibilidade de outras tantas necessárias e úteis para se desenvolver policiamento.
Comprar arma, colete e viatura exige pouco esforço político – trata-se apenas de questão financeira. É, para os governos, o menos custoso; aquilo que aparece, e é assimilado pela população como manifestação da preocupação dos governantes. Como quase nada do que citamos acima garante, à primeira vista, o volume das grandes aquisições de material, a tendência é que nossos políticos (policiais ou não) continuem a afirmar: colete, viatura e arma!
Fonte: Abordagem Policial (Danillo Ferreira)
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