Dr. Márlio Damasceno, advogado da AMESE
Confiram abaixo a parte final da sentença que absolveu o associado:
Processo nº 201020601241
Competência: 6ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ARACAJU
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR
Réu: ANDRE MARCOS ARAUJO LEAL
Advogado(a): MARLIO DAMASCENO CONCEICAO - 2150/SE
Autos relatados, passa-se à decisão.
Cuida-se a presente de ação criminal visando apurar a responsabilidade do acusado, Cb. PM ANDRÉ MARCOS ARAÚJO LEAL, denunciado nas iras do art. 303, caput, do Código Penal Militar, o qual prevê a figura típica do peculato.
Com efeito, o direito de punir do Estado visa, dentre outros fins, intimidar as pessoas que transgridem as leis, objetivando manter a harmonia e a ordem no meio social, assegurando a paz e a tranqüilidade, configurando o interesse público que fundamenta a ação penal, a qual deve ser exercida dentro dos parâmetros constitucionais do devido processo legal.
Entretanto, para que o Estado-Juizaplique a sanção, é necessário que haja a certeza dos elementos objetivos e subjetivos descritos na norma tipificadora da conduta delitiva e, também, que não esteja presente qualquer circunstância descriminante ou causa excludente de culpabilidade, o que passamos a analisar.
Convém primeiramente assinalar que o crime de peculato,descrito no art. 303, caput, do Código Repressivo Castrense, prevê duas condutas típicas, segundo as lições do Penalista Guilherme de Souza Nucci1, verbis:
“a) Apropriar-se, que significa tomar como propriedade sua ou apossar-se. É o que a doutrina chama de peculato-apropriação; b) desviar, que significa alterar o destino ou desencaminhar. É o que a doutrina classifica como peculato-desvio.”
Tal delito é classificado como crime próprio, uma vez que somente poderá ser cometido por funcionário público, sendo civil ou militar. É também um crime militar impróprio, pois tem previsão tanto na legislação penal militar como na comum, exigindo, para a sua configuração, um resultado naturalístico, consistente no efetivo benefício auferido pelo agente.
No que tange ao momento de sua consumação, Alexandre José de Barros Leal Saraiva2 assim leciona, litteram:
“Consuma-se o delito, na modalidade peculato-apropriação, quando o militar ou funcionário inverte a titulação de posse, agindo como dono, sobre o dinheiro, valor ou bem que lhe foi entregue em razão do cargo. No caso de peculato-desvio, verifica-se o crime quando o agente dá às coisas destino ou aplicação diversa da destinação ou aplicação certa e determinada, não sendo necessário que haja efetivo proveito próprio ou alheio.”
Perscrutando os autos, não se verifica a presença dos elementos tipificadores do delito in examine.
Inicialmente, o acusado, durante o seu interrogatório judicial às fls. 147/148, relatou que após receber informações na Delegacia de que os meliantes haviam jogado os objetos roubados no local dos fatos, fez o deslocamento e encontrou o aparelho celular, sendo que solicitou permissão ao Sgt. Reinaldo para permanecer com o equipamento e tentar descobrir mais alguma coisa em relação aos flagranteados, sendo que, devolveu o aparelho dois dias após os fatos, no COPE.
De fato, o 1º Sgt. PM Reinaldo Santos Medeiros, que comandava uma outra guarnição policial que chegou ao local da ocorrência, confirmou a versou apresentada pelo denunciado, conforme depoimento de fls. 175/176, afirmando que autorizou o réu a permanecer com o celular para tentar descobrir mais alguma situação em relação aos meliantes detidos.
Portanto, não restou devidamente comprovado o dolo do denunciado de se apropriar do aparelho celular. Isto porque os elementos probatórios contidos nos autos são bastante frágeis, havendo incerteza se realmente a intenção do agente era a apropriação do objeto.
Nestas hipóteses, a jurisprudência tem fixado o entendimento de aplicar a solução absolutória, não só em respeito ao princípio do in dubio pro reu, como também às regras de distribuição do ônus da prova, uma vez que incumbe àquele que faz a alegação a tarefa de prová-la e, havendo incerteza quanto à mesma, deve o julgador decidir pela absolvição.
A esse respeito, ensina Guilherme de Souza Nucci3:
“Prova insuficiente para a condenação: é outra consagração do princípio da prevalência do interesse do réu – ‘in dubio pro reo’. Se o juiz não possui provas sólidas para a formação de seu convencimento, podendo indicá-las na fundamentação da sua sentença, o melhor caminho é a absolvição. Logicamente, neste caso, há possibilidade de se propor ação indenizatória na esfera cível”.
Neste diapasão, faz-se oportuno lembrarmos das palavras do insigne CARRARA, quando, em sua magistral sapiência, assim se expressou:
“O processo criminal é o que há de mais sério neste mundo. Tudo nele deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer grandeza algébrica. Nada de ampliável, de pressuposto, de anfibiológico; a acusação positivamente articulada, para que a defesa seja possivelmente segura, banida a analogia, proscrito sobre a precisão morfológica legal e esta outra precisão mais salutar ainda, com verdade estreme de dúvidas.”
Feitas as considerações acima e considerando que, de ordinário, deve-se presumir a inocência do acusado, entendemos não poder prosperar a pretensão punitiva estatal.
Ante o exposto, O CONSELHO PERMANENTE DE JUSTIÇA MILITAR, por maioria de votos (3X2), decide julgar improcedente a pretensão punitiva estatal, para ABSOLVER o acusado, Cb. PM ANDRÉ MARCOS ARAÚJO LEAL, alhures qualificado, da acusação da prática do delito previsto no art. 303, caput, do Código Repressivo Castrense, fulcrado no art. 439, alínea “e”, do Código de Ritos Militar. Vencidos os Juízes Militares Maj. PM Reinaldo José Chaves Silva e o Cap. PM Manoel Alves de Araújo que votaram pela condenação do acusado.
Após o trânsito em julgado da sentença, a Secretaria deverá tomar as seguintes providências:
Oficie-se ao Comandante Geral da PMSE, cientificando-o desta decisão, encaminhando-lhe cópia.
Oficie-se, ainda, ao Núcleo de Identificação, da Superintendência Regional em Sergipe, do Departamento de Polícia Federal, para os fins cabíveis.
P.R.I.
Aracaju, 12 de setembro de 2012.
JULIANA NOGUEIRA GALVÃO MARTINS
JUÍZA MILITAR SUBSTITUTA
ABINER LOBO Ten. Cel. QOPM
JUIZ MILITAR
REINALDO JOSÉ CHAVES SILVA Maj. QOPM
JUIZ MILITAR
MANOEL ALVES DE ARAÚJO Cap. QOPM
JUIZ MILITAR
IGOR JOSÉ MONTEIRO SANTOS 2º Ten. QOPM
JUIZ MILITAR
1 In “Código Penal Comentado”, Editora Revista dos Tribunais, 3ª. ed., 2003, p. 829.
2 In “Crimes contra a Administração Militar”, Ed. Del Rey, 2000, p. 53.
3 In “Código de Processo Penal Comentado”, Editora Revista dos Tribunais, 2. ed., 2003, p. 572.
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