No Brasil, sempre que acontece um crime grave, são comuns as comoções sociais que, diante daquele bárbaro delito, clamam por "leis penais mais severas". E o legislador, pressionado pela opinião pública, não raro, aproveitando-se da grande repercussão social, elabora as pressas um projeto de lei, sem maior reflexão, aumentando as penas para determinados crimes. Só na última década, tivemos alguns casos célebres, tais como: a) o sequestro de Roberto Medina – que deu causa à edição da Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90); b) o caso dos policiais flagrados por cinegrafista amador agredindo gratuitamente populares em Diadema – episódio do qual resultou a Lei de Tortura (Lei n. 9.455/97); c) o assassinato da atriz Daniela Perez – que culminou em alterações tornando mais rígida a Lei dos Crimes Hediondos; entre outros casos.
Quando uma lei penal é criada dessa forma, quase de improviso, é muito perigosa, pois, não raro, além de não permitir um debate mais refletido pela sociedade, as vezes, não cuida de observar princípios de direito penal secularmente consagrados, limitando-se a aumentar a pena para certas condutas, com o objetivo de resolver problemas sociais com a simples promulgação de uma lei.
Essa breve introdução presta-se a justificar a tese exposada no presente artigo. Ora, devido a ocorrência recente do assassinato de um casal de namorados em São Paulo, levado a cabo, covardemente, por um grupo de adolescente, alguns poderiam afirmar que este advogado "está se aproveitando da repercussão nacional que tomou dito crime para que aqueles que o leiam facilmente tornem-se adeptos da redução da maioridade penal defendida". Com efeito, tal não é verdade, como se verá nas linhas a seguir.
O clamor pela redução da maioridade penal para os 16 (dezesseis) anos não é novo. Alguns já o defendiam antes mesmo da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). O assassinato do casal de namorados apenas o trouxe novamente à tona, como um alerta que serve, pelo menos, para que a sociedade debata o tema e tome posição pela defesa desta tese ou pela permanência da maioridade penal aos 18 anos.
Atualmente, se uma pessoa comete um fato definido como crime em alguma lei penal, só sofrerá a pena ali prevista se ele tiver idade igual ou superior a 18 anos, sendo processada e julgada segundo os procedimentos do Código de Processo Penal.
Por outro lado, se esta mesma conduta for praticada por uma pessoa com idade inferior a 18 anos, não se pode sequer dizer que ela cometeu crime, mas apenas um ato infracional. Além disso, a ela não será aplicada a pena prevista para o crime, mas sim medidas sócio-educativas, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que são as seguintes: a) advertência; b) obrigação de reparar o dano; c) prestação de serviços à comunidade; d) liberdade assistida; e) inserção em regime de semiliberdade; f) internação em estabelecimento educacional. Assim, a maior sanção que um adolescente poderá sofrer é a 3 anos de internação, que tenha furtado um relógio, quer tenha matado 30 pessoas. Ademais, esta medida só pode ser aplicada por meio de um procedimento na vara da infância e juventude.
A fixação da maioridade penal aos 18 anos está consagrada no art. 228 da Constituição Federal e no art. 27 do Código Penal. A escolha dessa idade levou em consideração o critério puramente biológico: entendeu o legislador brasileiro que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita entender o caráter criminoso do ato que estão cometendo. Trata-se, assim de uma presunção legal.
Essa presunção legal de "falta de entendimento pleno da conduta criminosa", que, talvez, no passado podia ser tida como verossímil, na atualidade já não é mais. Com a evolução da sociedade, da educação, dos meios de comunicação e informação, o maior de 16 anos já não pode mais ser visto como "inocente", ingênuo, bobo, tolo, que vive a jogar vídeo game e brincar de "playmobil". Ora, se já possui maturidade suficiente para votar, escolhendo seus representantes em todas as esferas, do Presidente da República ao Vereador do seu Município, se já pode constituir economia própria, se já pode casar, se já pode ter filhos, e não são raros os casos de pais adolescentes, por que será que ainda se acredita que ditos indivíduos não têm consciência que matar, estuprar, roubar, sequestrar é errado?
Além de possuírem plena convicção que o ato que praticam é criminoso, ditos "menores" utilizam-se, conscientemente, da menoridade que ainda os alberga em seu favor, praticando diariamente toda a sorte de injustos penais, valendo-se, inclusive, da certeza dessa impunidade que a sua particular condição lhe proporciona.
Vejamos. Uma das finalidades da pena é a "prevenção geral" ou "prevenção por intimidação". A pena aplicada ao autor do crime tende a refletir junto à sociedade, evitando-se, assim, que as demais pessoas, que se encontram com os olhos voltados na condenação de um de seus pares, reflitam antes de praticar qualquer infração penal. Existe a esperança de que aqueles com inclinações para a prática de crimes possam ser persuadidos, através do exemplo que o Estado deu ao punir aquele que agiu delituosamente. O Estado se vale da pena por ele aplicada a fim de demonstrar à população, que ainda não delinquiu que, se não forem observadas as normas por ele ditadas, esse também será o seu fim. Dessa forma, o exemplo dado pela condenação daquele que praticou a infração penal é dirigido aos demais membros da sociedade.
Aplicando-se tais considerações ao caso dos menores de 18 e maiores de 16 anos, que, como defendido aqui, já são pessoas plenamente conscientes do certo e do errado, com efeito, o simples e brando tratamento a eles dispensado segundo as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com sanções como advertência, obrigação de reparar o dano, liberdade assistida, internação etc, não é suficiente a intimidar a prática de condutas criminosas como as que estão sendo praticadas por maiores de 16 anos a todo minuto no Brasil. Em outras palavras, é pouquíssimo provável que um adolescente sinta-se intimidado em praticar determinado crime por temer que lhe seja aplicada uma "medida sócio-educativa", sobretudo, se o crime puder lhe trazer ganho financeiro, tais como furto, roubo, extorsão mediante sequestro etc.
A insignificância da punição, certamente, pode trazer consigo o sentimento de que o "o crime compensa", pois leva o indivíduo a raciocinar da seguinte forma: "É mais vantajoso para mim praticar esta conduta criminosa lucrativa, pois, se eu for descoberto, se eu for preso, se eu for processado, se eu for condenado, ainda assim, o máximo que poderei sofrer é uma medida sócio-educativa. Logo, vale a pena correr o risco". Trata-se, claro, de criação hipotética, mas não se pode negar que é perfeitamente plausível.
Alguns defensores da manutenção da maioridade penal aos 18 anos argumentam que a redução desta para os 16 anos traz o risco de "levarmos para a cadeia crianças em formação".
Este tipo de argumento, com o devido respeito, mostra um fato tradicional na legislação criminal: "a elaboração de leis pensando-se na exceção". Efetivamente, não se pode mais admitir que o legislador evite o recrudescimento necessário da lei penal por imaginar sempre a hipótese do "agente que cometeu o crime por fraqueza eventual ou deslize", ou que sempre deixe brechas na lei processual imaginando a hipótese do "inocente que está sendo injustamente condenado". Isso resulta na criação de leis extremamente brandas, impondo ao Poder Público que trate a regra como se fosse a exceção. Isto é, dispensa-se ao criminoso grave o tratamento brando que só mereceria o criminoso eventual, imaginado pelo legislador quando da elaboração ou modificação legal.
O fato é que, na atualidade, pode-se afirmar, com segurança, que mais de 95% (noventa e cinco por cento) dos casos de adolescentes entre 16 e 18 anos infratores é de criminosos habituais e perigosos, que roubam, traficam, estupram e matam, sem titubear, já que não há o que temer em resposta a seus atos. Para estes casos, urge que a maioridade penal seja reduzida para os 16 anos.
Caso algum maior de 16 anos tenha cometido o crime sem que se encaixe no perfil descrito acima (que é a regra), tratando-se de pessoa de boa formação e conduta, que cometeu o fato por deslize, descuido, fato eventual, não merecendo ser encarcerado junto a bandidos perigosos, sob pena de prejudicar o seu futuro desenvolvimento, o juiz criminal, através de seu prudente arbítrio, saberá reconhecer tais fatores, podendo tratá-lo de forma diferenciada, através da atenuação ou redução de sua pena ou mesmo aplicação de penas alternativas, todas já previstas no Código Penal, podendo, aliás, o legislador prever outras próprias para tais casos.
Salienta esse articulista que tem consciência que o problema da criminalidade juvenil tem origem social, estando ligado a falta de educação e oportunidades para os jovens e suas famílias, levando-os ao crime, muitas vezes, não por vontade própria, mas por não vislumbrar outra saída. Assim, a solução do problema estaria relacionada muito mais a implantação de políticas públicas de educação e emprego, com resultados a longo prazo, do que a mudanças legislativas.
Ocorre, entretanto, que a sociedade não pode esperar pela boa vontade dos governantes, pois, primeiro, teríamos que esperar a implantação de tais políticas e, segundo, esperar que, uma vez implantadas, surtissem seus resultados, com a diminuição da criminalidade. Até lá, temos que nos proteger contra a livre ação de pessoas sem freios. E a intimidação através do tratamento penal mais severo é uma das formas das quais dispomos.
Trata-se de uma escolha a ser tomada pela sociedade entre dois caminhos: mantém-se a maioridade penal aos 18 anos e aguarda-se a implantação de políticas governamentais para resolver o problema "na raiz" ou reduz-se, desde logo, dita maioridade para os 16 anos, podendo-se, a partir de então, punir-se os infratores segundos a legislação penal e processual penal.
Optando pela redução, que é a posição defendida neste artigo, a mudança deve ser feita no âmbito do Congresso Nacional, por meio de Emenda Constitucional, uma vez que a maioridade penal aos 18 anos está prevista no art. 228 da Constituição Federal, cabendo à sociedade pressionar os Deputados Federais e Senadores e alterar o texto constitucional.
Pense, reflita e tome posição.
Fonte: Jus Navigandi (Kleber Martins de Araújo)
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