quarta-feira, 6 de novembro de 2013

PEC PROPÕE A DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS E A CRIAÇÃO DE OUVIDORIA EXTERNA.

Proposta surge como uma alternativa para uma profunda reforma no sistema policial do País. Humberto Costa é o relator na Comissão de Constituição e Justiça.
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Para Lindbergh, preciso acabar com a
herança da ditadura nas policiais e criar
uma segurança pública mais humanizada
Apresentada no mês passado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 51/2013), de autoria do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) prevê uma profunda reformulação do atual modelo de polícia brasileiro com a desmilitarização e a unificação das Polícias Militar e Civil. Avançada, a PEC pretende corrigir duas distorções: a partição do ciclo de policiamento e a inexistência de carreiras únicas em cada instituição. A matéria aguarda na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado parecer do relator, senador Humberto Costa (PT-PE).
A iniciativa ocorre em meio ao debate sobre a violência da Polícia Militar nas manifestações de junho em várias capitais do País e, recentemente, no Rio de Janeiro, nos protestos dos professores. Nas redes sociais, corre grande apoio à desmilitarização, já recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU) ao Brasil. Vale ressaltar também que o combate à criminalidade não tem surtido o efeito esperado. O Brasil contabiliza de 25 a 27 homicídios dolosos por 100 mil habitantes - 50 mil casos por ano e o 2º lugar mundial. O País ainda contra com a 3ª maior população carcerária do mundo - aproximadamente 540 mil presos – e alta impunidade (com uma média de 8% dos homicídios dolosos investigados com êxito).
Diante de números estarrecedores e do quadro alarmante, Lindbergh fala em transformação “radical” das polícias e chama atenção para o legado da repressão contido na atuação dos policiais. “Nas últimas décadas o Brasil mudou, mas o campo da segurança pública permaneceu congelado no tempo, prisioneiro da herança legada pela ditadura. Mantemos ainda nossos pés no pântano das execuções extrajudiciais, da tortura, da traição aos direitos humanos e da aplicação seletiva das leis”, ressalta o senador.
A PEC 51 prevê a transferência aos Estados da autoridade para definir o modelo policial mais adequado para a realidade daquela região. Porém, as mudanças devem obedecer a diretrizes que possam garantir a transformação democrática das polícias e evitar um ambiente descoordenado e desarticulado no trabalho policial.
De acordo com o texto do senador petista, além da reorganização interna das funções policiais, passa a ser obrigatória a exigência do ciclo completo da carreira policial, se iniciando na atividade ostensiva/preventiva (atualmente prerrogativa da PM), caminhando, no decorrer da carreira, para a área da investigação (atualmente prerrogativa da PC), formando assim, a carreira única.
O texto ainda prevê o cumprimento do que já determina a Constituição Brasileira, em que a polícia é definida como instituição de natureza civil que se destina a proteger os direitos dos cidadãos e a preservar a ordem pública democrática, a partir do uso comedido e proporcional da força.
A PEC 51 ainda estabelece a criação de uma Ouvidoria Externa para as polícias, dirigida por um Ouvidor-Geral, não integrante de carreira policial, para mandato de 02 (dois) anos, vedada qualquer recondução, pelo Governador do Estado ou do Distrito Federal, ou pelo prefeito do município.
Caso seja aprovada, a União, os Estados e Municípios passam a ter o prazo de seis anos para se adequarem ao que prevê a PEC 51.
Veja os modelos de carreira previstos na PEC:
- Polícia Unificada Civil Estadual: Polícia unificada responsável pela provisão de segurança pública a toda a população do estado, cobrindo todo seu território, por meio do cumprimento de suas funções, envolvendo as atividades ostensivo/preventivas, investigativas e de persecução criminal.
- Polícia Metropolitana: sempre civil e de ciclo completo - Nesse caso, uma polícia civil de ciclo completo é responsável pela provisão de segurança pública à população da região metropolitana daquele estado. Nessa hipótese, uma polícia unificada civil estadual será responsável pela provisão de segurança pública à população dos municípios do estado em questão não atendidos pela ou pelas polícias metropolitanas.
- Polícia Municipal: sempre civil e de ciclo completo - Nesse caso, uma polícia civil de ciclo completo é responsável pela provisão de segurança pública à população de um, de alguns ou de todos os municípios do estado em questão. O critério da decisão será escolhido pelo Estado. Exemplos: pode ser a escala demográfica (privilegiando, por exemplo, apenas a capital ou os municípios cujas populações excedam 500 mil habitantes, etc ...), pode ser o histórico da criminalidade ou pode ser generalizada, aplicando-se a todos os municípios do Estado em pauta. Adecisão de criar polícia municipal envolve a definição de fonte de receita compatível com a magnitude das novas responsabilidades orçamentárias.
- Polícia Distrital ou Submunicipal: De área interna ao município. Nesse caso, uma polícia civil de ciclo completo é responsável pela provisão de segurança pública à população de um distrito ou uma área interna ao município. Assim, uma cidade pode criar várias polícias locais e uma polícia municipal responsável pelas áreas não cobertas pelas polícias locais.
Desmilitarização
O Rio de Janeiro ainda se mantém como centro de grandes protestos populares. Nas últimas semanas, os professores da rede pública do município entraram em conflito com policiais militares durante manifestação contra o novo plano de cargos e salários da categoria. Policiais militares têm sido flagrados por abuso, agressões, uso do gás de pimenta e prisões injustificadas.
A indignação com a atuação da PM do Rio atingiu seu ápice com o caso de maior notoriedade, o do ajudante de pedreiro, Amarildo de Souza, que foi torturado e morto por policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), da comunidade da Rocinha. Com o inquérito descobriu-se que, de março a julho deste ano, outras 22 pessoas foram torturadas por PMs na Rocinha, mas sobreviveram e fizeram denúncias.
“A Polícia Militar nasce para proteger a Corte Portuguesa que veio para o Brasil para reprimir escravos. Logo em seguida, também passou a cuidar da defesa do patrimônio. Ou seja, não há, em sua origem, uma preocupação com o cidadão. De um jeito ou de outro, isso ainda permanece na instituição”, avalia o professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Fábio Araújo.
Em seu blog, o consultor em segurança pública e professor da Cátedra de Direitos Humanos no Centro Universitário Metodista (IPA), Marcos Rolim, afirma que em todo o mundo civilizado cada polícia atua desde os serviços de patrulhamento até as tarefas de investigação. Porém, no Brasil, por questões históricas, o modelo vigente opta pela partição do ciclo. “Como regra, os patrulheiros atuam uniformizados e os policiais dos departamentos de investigação se dedicam ao esclarecimento de crimes. Estas duas dimensões básicas do trabalho policial formam o chamado “ciclo de policiamento” e estão presentes em todas as polícias do mundo, menos no Brasil”, explica.
Para ele, no Brasil “não temos duas polícias em cada estado, mas duas metades de polícia”. Esta divisão, na sua opinião, é a responsável pela persistente hostilidade entre as duas polícias que, como regra, não dividem informações, não compartilham recursos e alimentam infinitas disputas de prerrogativas. Outro fator apontado por Rolim são das divisões dentro de cada instituição - na Polícia Civil, o corte se dá entre delegados e não-delegados e na PM, entre oficiais e não-oficiais, o que favorece interesses específicos e mecanismos de seleção diferentes e, entre elas, há enormes desigualdades salariais, de poder e prestígio.
“Talvez o Brasil também tenha acordado para a gravidade do tema e se tenha criado a oportunidade de discutir o cesto ao invés das maçãs”, analisa Marcos Rolim.
Fonte:  www.marcosrolim.com.br

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