Na maioria das organizações militares ainda se ouve muito a máxima de que “ordem de superior não se discute, se cumpre”. Não é à toa: ainda hoje os militares, incluindo os militares estaduais ou policiais militares, estão sujeitos ao Código Penal Militar de 1969, que, entre outras prescrições, define o seguinte:
Art. 166. Publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar públicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do Governo:
Pena - detenção, de dois meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.
Pode-se elencar outras tantas normas, federais e estaduais (inclusive a Constituição Federal), que, em sintonia com o CPM, dispensam aos PMs e demais militares o dever do silêncio – não o direito, como ocorre com aqueles que são acusados de crime.
Mas, obviamente, não é só a legislação ineficiente e draconiana a que os PMs estão submetidos que fazem com que o contraditório seja intolerado. Fosse assim, não teríamos casos de chefias avessas ao diálogo em outras polícias e até mesmo em outras instâncias da sociedade: da fábrica de peças automotivas até a loja de confecções do shopping.
Nesse sentido, outro problematizador é a forma de empoderamento das lideranças de uma organização. Mais até que as polícias militares, que demoram anos para tornar efetivamente policial o aluno-a-oficial, as polícias civis brasileiras promovem um choque de liderança significativo quando em alguns poucos meses tornam delegado o bacharel em direito aprovado em seu concurso.
Assim, agentes com décadas de anos de serviço são submetidos à chefia de novos policiais sem a experiência e o conhecimento das engrenagens da organização policial. Instantaneamente a liderança é questionada, a autoridade se vê debilitada, e o chefe precisa ter muita humildade e jogo de cintura para não causar crises de liderança, e entrar no jogo do “aqui quem manda sou eu e pronto”. O mesmo ocorre quando a liderança é imposta politicamente, sem a naturalidade do surgimento orgânico no âmbito da organização.
Salvo essa situação, onde o chefe precisa se fazer líder mesmo não tendo vinculação histórica com seus subordinados, deve-se discutir o caso de quem, “nascido e criado” na corporação policial, é resistente a críticas, contraditório e diálogos que questionem suas ideias.
Se a própria vida é feita de contradições, onde o indivíduo é confrontado em suas certezas e estabilidades, e com isso aprende, como admitir que qualquer organização avançará com a “unanimidade de um só”? É preciso dizer que não basta colocar a tropa em forma e, sob a proteção do microfone, pedir que as contradições sejam manifestadas. Isso é apenas legitimar a intolerância às discordâncias.
As polícias, e os policiais, precisam se doar com afinco à tolerância às discordâncias. A mesma argamassa que sustenta os muros do superior que se torna inacessível ao subordinado constrói a barreira do policial na rua contra o cidadão comum. É preciso ouvir, paciente e dedicadamente, de quem quer que seja, tudo o que há para ser dito. Anulada essa possibilidade, só resta a explosão, o embate (não o debate), a violência.
Fonte: Abordagem Policial (Danillo Ferreira)
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