A valorização da vida humana está acima de qualquer parâmetro circunstancial que pareça justificar a lesão a esse Direito Fundamental. Salvo nos casos de legítima defesa (para o caso da ação policial) - uma autorização a matar que, paradoxalmente, pretende garantir uma(s) outra(s) vida(s) – até mesmo os entendimentos éticos e morais mais comuns ou apurados devem calar frente à necessidade de preservação da vida. Não há morte certa, digna de comemoração, merecida. Toda morte é a interrupção de um imperativo inquestionável – a própria vida.
Já disse aqui que matar não é normal (há quem discorde!).
Por isso sempre achei estapafúrdias algumas notas de pesar referentes a mortes de policiais “envolvidos com o crime”, notas que mais parecem equações matemáticas que levam ao entendimento autômato de que se estava envolvido com o crime, logo não vale a pena lamentar sua morte. É o velho dualismo “polícia é polícia, vagabundo é vagabundo”. Superficialidade que anula múltiplas complexidades, como os motivos de ingresso do indivíduo na polícia, seu histórico na corporação, as influências sofridas durante sua trajetória, suas relações familiares e sociais extra-corporação etc.
Nesse mesmo diapasão, tomando uma cervejinha e saboreando o churrasco de domingo, ficamos absortos com o número de cadáveres que produzimos anualmente via homicídios: 50.000, em recente divulgação da ONU. Alguns minutos de admiração e passamos ao próximo assunto, não sem ouvir ou afirmar antes que “a maioria é envolvido com o tráfico”.
No Brasil a vida se tornou tão relativizável que um homicídio deixa de ser um problema tão logo se descubra ou se suponha que a vítima é irmão do primo da empregada da casa vizinha onde morava antes o irmão de um traficante.
É o que está sustentando a contrarevolta a respeito da morte do ex-dançarino do programa Esquenta, apresentado por Regina Casé. Para os defensores da moralidade típica da Guerra às Drogas, estando o dançarino DG em presença de traficantes, é válida qualquer ação que ponha fim a sua vida. É como se a sociedade não aturasse fixar o olhar sobre as tragédias em série que produzimos nas favelas brasileiras, e então gritasse como justificativa, para si mesma, que estar envolvido com algum crime é fator anulador daquela perda.
O pior é que nós, policiais, somos parte significativa entre as vítimas dessa tragédia, mas insistimos em apontar como causa aqueles com quem nos relacionamos cotidianamente: a “população das ruas”, a mesma de onde somos oriundos. Preto Zezé, presidente nacional da Central Única das Favelas (CUFa), conclamando a Presidente Dilma Rousseff em favor da PEC 51, falou bem: “Só morre gente do lado de cá, sejam eles com ou sem farda!”. Até quando vamos ignorar essa realidade?
PS: Até aqui ainda estão nebulosas as circunstâncias da morte do dançarino DG. Uma foto publicada nas mídias sociais de um jovem com um fuzil foram descartadas pela Polícia Civil como se fossem dele. Também ainda não há provas sobre abuso cometido por policial.
Fonte: Abordagem Policial (Danillo Ferreira)
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