A assessoria jurídica da AMESE, através do Dr. Márlio Damasceno, advogado da área criminal da entidade, obteve mais uma vitória para dois associados, através de uma habeas corpus impetrado em favor do Capitão Ildomário Gomes e do Ten. Lucas Neves.
Os dois oficiais estão sendo acusados de supostamente serem os autores do "Blog do Capitão Mano", tendo sido designada audiência para interrogatório dos mesmos no dia 16/04/2014, momento em que esta defesa utilizou da palavra requerendo o seguinte: "A Defesa de Ildomário Santos Gomes, ora acusado, entende que a qualificação e interrogatório logo após o recebimento da denúncia é um ato que prejudica a defesa deste. Em recente decisão, o egrégio Supremo Tribunal Federal reconheceu o princípio da maior proteção à defesa, derrogando o princípio da especialidade, conforme HC n. 115698, cujo Relator foi o Min. Luiz Fux, julgado pela 1ª Turma em 25.06.2013, processo eletrônico DJ-e 158, divulgado em 13.08.2013 e publicado no dia 14.08.2013. Em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, aliado ao evidente prejuízo à defesa do denunciado, torna-se necessário evitar que tal ato se consume, motivo pelo qual rogamos pelo deferimento de imediato do presente pedido. Pede e espera deferimento".
Os juízes militares, indeferiram o requerimento para que o interrogatório fosse feito no final do processo, tendo na oportunidade os acusados utilizado do direito constitucional de permanecer calado.
Inconformado com a decisão o Dr. Márlio Damasceno impetrou um habeas corpus, pedindo que o interrogatório fosse anulado e que, ao final do processo, após a oitiva de todas as testemunhas, fosse realizado o interrogatório dos oficiais acusados, em prol do princípio da ampla defesa e do contraditório.
Nesta segunda, dia 26, a Câmara Criminal, através da Drª. Bethzamara Rocha Macedo (Juíza de Direito Convocada em substituição a Desembargador), concedeu a liminar, determinando que seja feito novo interrogatório dos acusados, ao final do processo, abrindo um novo precedente na Justiça Militar Estadual, porém, já consagrado através de decisões perante o STF.
Confiram abaixo a decisão proferida pela Câmara Criminal que concedeu a liminar ao Capitão Ildomário Gomes e ao Ten. Lucas Neves:
Processo nº 201400311547
Impetrante: MARLIO DAMASCENO CONCEIÇÃO
Paciente: ILDOMARIO SANTOS GOMES
Advogado: MARLIO DAMASCENO CONCEICAO - 2150/SE
Paciente: LUCAS NEVES SANTOS
Advogado: MARLIO DAMASCENO CONCEICAO - 2150/SE
Vistos.
O advogado MARLIO DAMASCENO CONCEIÇÃO impetrou habeas corpus em favor de LUCAS NEVES SANTOS e ILDOMARIO SANTOS GOMES qualificados na inicial mandamental, alegando a existência de constrangimento ilegal por ato do MM. Juiz de Direito 6ª Vara Criminal da Comarca de Aracaju, a quem aponta como autoridade coatora.
Relata que os pacientes respondem a ação penal nº201420600124 no juízo supracitada por serem acusados de pratica de crimes militares dentre eles a publicação indevida e calúnias a militares e que em 16/02/2014 iniciou-se a instrução com o interrogatório e qualificação dos réus em afronta ao princípio da ampla defesa e contraditório.
Prossegue relatando que a defesa dos pacientes, quando da primeira audiência, requereu ao Conselho Especial de Justiça Militar a aplicação da inovação introduzida pela Lei 11.719/2008 ao art. 400 do CPP, para o interrogatório dos denunciados ocorresse no final da instrução criminal, entretanto o pleito foi indeferido pelo Conselho Permanente da Justiça Militar.
Entende que a qualificação e interrogatório logo após o recebimento da denúncia é um ato que prejudica a defesa deste. Ratifica que a Corte Federal tem determinado a aplicação subsidiária do art. 400 do CPP ao Código de Processo Penal Militar. Acrescenta que o art. 400 do CPP com a redação dada pela lei 11.719/2008 fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução criminal.
Colaciona jurisprudência do Supremo Tribunal de Federal no qual a corte se posiciona de forma diferente do Conselho Especial de Justiça Militar do Estado de Sergipe, entendendo a qualificação e interrogatório como uma forma de defesa do denunciado a ser realizado como derradeiro ato.
Por fim, pugna, liminarmente, pela concessão da ordem para determinar a suspensão do processo que inclusive conta com audiência marcada para 14 de julho de 2014 com objetivo de oitiva das testemunhas e no mérito pela nulidade da qualificação e interrogatório já realizada e em conseqüência todos os atos processuais posteriores.
Anexou documentos.
Tudo visto e examinado, decido.
Dentro dos limites da cognição sumária initio litis, de fato, abstraídos os elementos fáticos que envolvem a ação penal promovida em face dos Pacientes que são relativos ao mérito, cujo exame é defeso nessa via mandamental, observa-se, a priori, que o cerne da questão deste Writ pauta-se no pleito de suspensão do processo em liminar e no mérito pugna pela nulidade a audiência de interrogatório já realizada.
In casu, o Conselho Permanente de Justiça da 6ª Vara Criminal da Comarca de Aracaju rejeitou em 16/04/2014, o requerimento da defesa quanto à realização do interrogatório do paciente ao final da sessão de julgamento, negando aplicação do art. 400 do Código de Processo Penal, o que contraria a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Em relação ao pleito de suspensão do processo nº 201420600124, não verifico razão para tal medida.
Observa-se, nos autos, que o advogado Marlio Damasceno Conceição formulou o pleito liminar de suspensão da ação penal em curso, sob alegação de prejuízo a defesa dos suplicantes. Ora, nesta fase processual não encontro motivos que impliquem na necessária suspensão do feito.
Melhor sorte assiste ao impetrante, no tocante a hipótese de concessão de transferência do interrogatório dos suplicantes como ato final da instrução. Explico.
Com efeito, discute-se a aplicabilidade do art. 400 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.719/2008, a procedimento penal de índole especial. Fundamenta seu pedido com espeque no julgamento da Ação Penal nº 528, rel. Min. Ricardo Lewandowski, em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu, por unanimidade, que o aludido dispositivo do CPP deveria ter aplicação também nos processos criminais originários da Corte, regrados pelas normas especiais definidas na Lei nº 8.038/90.
Na hipótese aqui versada, quer-se saber se o art. 400 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.719/2008, aplica-se também ao processo criminal militar, em detrimento do princípio da especialidade.
Não vejo como entender de forma diversa. As razões para tanto foram explicitadas de forma lapidar pelo Ministro Ricardo Lewandowski no julgamento do caso pioneiro sobre a matéria. Vale transcrever suas palavras pedagógicas:
(…) afirmar que é essencial aos sistemas processuais respeitarem à plenitude o direito de defesa e ao contraditório afigura-se, no mínimo, despiciendo, pois tais premissas encontram-se assentadas não apenas no ordenamento pátrio, mas revelam-se como alguns dos mais caros valores do Estado Democrático de Direito, assim sendo reconhecido pela grande maioria das nações civilizadas.
Nessa linha, parece-me relevante constatar que, se a nova redação do art. 400 do CPP possibilita ao réu exercer de modo mais eficaz a sua defesa, tal dispositivo legal deve suplantar o estatuído no art. 7º da Lei 8.038/90, em homenagem aos princípios constitucionais aplicáveis à espécie.
Ora, possibilitar que o réu seja interrogado ao final da instrução, depois de ouvidas as testemunhas arroladas, bem como após a produção de outras provas, como eventuais perícias, a meu juízo, mostra-se mais benéfico à defesa, na medida em que, no mínimo, conferirá ao acusado a oportunidade para esclarecer divergências e incongruências que, não raramente, afloraram durante a edificação do conjunto probatório.
Assim, caso entenda-se que a nova redação do art. 400 do CPP propicia maior eficácia à defesa, penso que deve ser afastado o previsto no art. 7º da Lei 8038/90, no concernente à designação do interrogatório.
Quando do julgamento o ministro ressaltou a importância da nova sistemática processual introduzida no CPP para a promoção da máxima efetividade das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CRFB, art. 5º, LV), corolários elementares do devido processo legal (CRFB, art. 5º LIV) e cânones essenciais do Estado Democrático de Direito (CRFB, art. 1º, caput ).
Neste talante, o interrogatório realizado ao final da instrução processual é medida indispensável à plenitude de defesa, na medida em que permite ao sujeito passivo da persecução penal manifestar-se sobre todas as provas coligidas e, como indicado pelo Min. Ricardo Lewandowski, esclarecer divergências e incongruências que, não raramente, afloraram durante a edificação do conjunto probatório.
Ora, a mesma racionalidade que inspirou a Corte no julgamento da AP nº 528 se aplica ao caso sob exame.
Isso porque o art. 302 do Código de Processo Penal Militar (Art. 302. O acusado será qualificado e interrogado num só ato, no lugar, dia e hora designados pelo juiz, após o recebimento da denúncia; e, se presente à instrução criminal ou prêso, antes de ouvidas as testemunhas) estabelece o interrogatório do acusado será feito no início do processo, impedindo-lhe de se manifestar direta e pessoalmente sobre todas as provas produzidas. Verifica-se, portanto, que a proteção do direito de defesa consubstanciada no art. 302 do Código de Processo Penal Militar é mais frágil do que aquela consagrada pelo atual art. 400 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 11.719/2008.
Nesse cenário, o postulado da máxima eficácia dos direitos fundamentais (CRFB, art. 5º, §1º) reclama, tal como na AP nº 528, o afastamento da disciplina legal menos afeiçoada ao estatuto constitucional das garantias individuais, de sorte a prestigiar a opção legislativa que melhor concretize a intenção da Carta Constitucional.
A Primeira Turma STF firmou entendimento a propósito do tema, no julgamento dos HHCC 115.530 e 115.698, DJe de 14/08/2012, cujas ementas ostentam o seguinte teor:
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR. CRIME DE USO E POSSE DE ENTORPECENTE EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR (CPM, ART. 290). ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA PENAL MILITAR (LEI N. 8.457/92). IMPROCEDÊNCIA. EXISTÊNCIA DE GARANTIAS PRÓPRIAS E IDÔNEAS À IMPARCIALIDADE DO JULGADOR. SIMETRIA CONSTITUCIONAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVA DO FATO CRIMINOSO. COMPROVAÇÃO DO ILÍCITO POR LAUDO PERICIAL SUBSCRITO POR UM ÚNICO PERITO. VALIDADE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 361 DO STF. PERITO OFICIAL. PRECEDENTES. INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. ATO QUE DEVE PASSAR A SER REALIZADO AO FINAL DO PROCESSO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 400 DO CPP. PRECEDENTE DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (AÇÃO PENAL Nº 528). ORDEM CONCEDIDA.
1. A Lei nº 8.457/92, ao organizar a Justiça Militar da União criando os Conselhos de Justiça (art. 1º c/c art. 16) e confiando-lhes a missão de prestar jurisdição criminal, não viola a Constituição da República ou a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), porquanto assegura a seus respetivos membros garantias funcionais idôneas à imparcialidade do ofício judicante, ainda que distintas daquelas atribuídas à magistratura civil.
2. O Enunciado nº 361 da Súmula da Jurisprudência Dominante do Supremo Tribunal Federal não é aplicável aos peritos oficiais, de sorte que, na espécie, exsurge válido o laudo pericial assinado por um só perito da Polícia Federal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal: HC 95595, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 04/05/2010. HC 72921, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 21/11/1995).
3. O art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal, sendo certo que tal prática, benéfica à defesa, deve prevalecer nas ações penais em trâmite perante a Justiça Militar, em detrimento do previsto no art. 302 do Decreto-Lei nº 1.002/69, como corolário da máxima efetividade das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CRFB, art. 5º, LV), dimensões elementares do devido processo legal (CRFB, art. 5º LIV) e cânones essenciais do Estado Democrático de Direito (CRFB, art. 1º, caput). Precedente do Supremo Tribunal Federal (Ação Penal nº 528 AgR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. em 24/03/2011, DJe-109 divulg. 07-06-2011).
4. In casu, o Conselho Permanente de Justiça para o Exército (5ª CJM) rejeitou, 27/02/2012, o requerimento da defesa quanto à realização do interrogatório do paciente ao final da sessão de julgamento, negando aplicação do art. 400 do Código de Processo Penal, o que contraria a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
5. Ordem de habeas corpus concedida para anular os atos processuais praticados após o indeferimento do pleito defensivo e permitir o interrogatório do paciente antes da sessão de julgamento, com aplicação subsidiária das regras previstas na Lei nº 11.719/08 ao rito ordinário castrense.
PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. ATO QUE DEVE PASSAR A SER REALIZADO AO FINAL DO PROCESSO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 400 DO CPP. PRECEDENTE DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (AÇÃO PENAL Nº 528, PLENÁRIO). ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal.
2. A máxima efetividade das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CRFB, art. 5º, LV), dimensões elementares do devido processo legal (CRFB, art. 5º LIV) e cânones essenciais do Estado Democrático de Direito (CRFB, art. 1º, caput) impõem a incidência da regra geral do CPP também no processo penal militar, em detrimento do previsto no art. 302 do Decreto-Lei nº 1.002/69. Precedente do Supremo Tribunal Federal (Ação Penal nº 528 AgR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, j. em 24/03/2011, DJe-109 divulg. 07-06-2011).
3. Ordem de habeas corpus concedida.
Neste talante, não há razão para a suspensão do feito, entretanto é forçoso admitir a concessão da liminar, somente como objetivo de determinar a realização de novo interrogatório dos suplicantes, após o término da instrução, mantida o tramite processual que inclusive possui audiência designada para o próximo dia 14 de julho de 2014 no qual será colhido o depoimento das testemunhas.
Sendo assim, concedo a liminar parcialmente, para determinar a realização de novo interrogatório dos réus, após o término da instrução.
Notifique-se a autoridade indigitada como coatora para oferecer as informações necessárias no prazo de 72 (setenta e duas horas).
Após, remetam-se os autos à douta Procuradoria Geral de Justiça.
Bethzamara Rocha Macedo
Juiz(a) de Direito
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