quinta-feira, 18 de setembro de 2014

OS DESAFIOS DE DESMILITARIZAR A PM - PARTE II.


O tenente-coronel da reserva da PM de São Paulo Adilson Paes ressalta que a polícia segue a lógica da doutrina de segurança nacional ―ideologia norte-americana que justifica qualquer ação militar quando o objetivo é a manutenção da ordem pública “A visão de que a PM deve combater um inimigo está errada e deve ser esquecida. Na guerra, é preciso aniquilar o inimigo e não prendê-lo, o que é a função da polícia”, compara. “Não é correto aplicar técnicas de guerra em um cenário civil, a força é desproporcional”, ressalta. 

Paes lançou no ano passado o livro O guardião da cidade: reflexões sobre casos de violência praticados por policiais militares. Para ele, o grande problema é a maneira como os policiais são doutrinados e o modelo da segurança pública em geral, pouco eficaz para as necessidades atuais. 

Presidente da Associação de Oficiais da PMDF (Asof), o tenente-coronel da PM do Distrito Federal Fábio Pizetta diz que não há como conceber uma polícia de rua que não leve em conta a combinação hierarquia e disciplina. “Sem isso, não vejo como funcionaria”, afirma. Policial militar há 27 anos, Pizzeta diz que uma ordem simplesmente tem de ser obedecida. “Imagine um policial questionando o superior durante uma operação? Qualquer dúvida pode significar perda de tempo valioso naquele momento”, justifica. 

Do outro lado do front, Ricardo Antônio da Veiga Cabral, presidente da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, diz que desmilitarizar a polícia é um erro. “É preciso ter firmeza para manter a ordem pública, e o treinamento militar prepara o indivíduo para agir diante de uma ameaça”, diz o almirante da reserva.

Na avaliação dele, a força policial precisa ter formação mais rígida para lidar com a massa. Algo só possível com o modelo militar, considera. “Ter um bloco de homens fardados, organizados e sincronizados intimida. Como provocar esse efeito com civis?”, questiona. Com tantas regras e tanta rigidez, ainda há casos de corrupção, de desobediência, pondera. “Imagine se não fosse linha-dura... O policial não pode fazer greve porque isso implica perigo para a população. Também não pode desrespeitar seu superior porque isso pode provocar o fracasso de uma operação. É assim que funciona”, afirma Abuso de Autoridade O professor de Direito Penal da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Túlio Vianna pensa diferente. No entendimento dele, o abuso de autoridade é uma realidade entre os policiais militares. “Como os policiais militares são julgados? Quais os crimes cometidos? Não temos essa resposta, visto que eles são submetidos à Justiça Militar, que é muito fechada, e não dá espaço para transparência”, critica. O tratamento diferenciado não traz só vantagens, reconhece, uma vez que os policiais são submetidos a um código de conduta rígido, com penas graves e muitas vezes exageradas, na visão dele. O Código Penal Militar estabelece detenção de até um ano, por exemplo, para quem desrespeitar a ordem de um superior na frente de outro militar.

Para a Associação Rede Democrática PM-BM, entidade de PMs e de Bombeiros de Brasília (oficiais e praças), a rigidez e as punições por desobediência nos quartéis, de fato, invertem as prioridades. “O policial só cumpre ordens, mesmo ilegais, porque se sente acima da lei e assim comete tantas atrocidades”, diz o primeiro-sargento da PMDF Roner Salvador Gama, diretor da associação. Na avaliação dele, o policial tem mais receio das coesões impostas por desobediência aos superiores do que as previstas pela lei.

Problema de Justiça 

Em 2010, o deputado Chico Alencar (Psol-RJ) apresentou o Projeto de Lei 7.779/10, que determina o julgamento de policiais militares pela Justiça comum quando cometerem crimes contra civis. “É preciso garantir um julgamento isonômico para os militares, assim como ocorre com os cidadãos comuns”, defende. Favorável à desmilitarização, Chico acredita que a questão judicial é um dos aspectos mais relevantes da discussão sobre o papel das polícias. O projeto está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. 

Primeira mulher a comandar o Superior Tribunal Militar (STM), a ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha que diz que a corte militar é mais ágil e rigorosa do que a Justiça comum, e não se rende a corporativismos. “A Justiça Militar age com extremo rigor. Os próprios militares reclamam da severidade das punições. Mas é assim que deve ser. Eles precisam ter conduta exemplar”, disse à Revista Congresso em Foco.

O STM julga crimes militares federais contra as Forças Armadas e contra a administração militar. Os casos de policiais são julgados em primeira instância por auditorias e, em segundo grau, pelos tribunais de Justiça Militar em Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Nas outras unidades da 
federação, a segunda instância cabe aos tribunais de Justiça. “Existem crimes, como o de deserção, que não admitem progressão de regime. Também não há possibilidade de conversão de pena em cesta básica, por exemplo. Corporativo para quem?”, rebate a ministra.

Por dentro da polícia 

Das cinco policiais brasileiras ―há também a Federal, a Rodoviária Federal, a Ferroviária Federal e a Civil―, a Militar é a única que tem vínculo com as Forças Armadas. Assim como o Corpo de Bombeiros, a PM é força auxiliar e reserva do Exército. Sua principal função é o policiamento ostensivo para manter a ordem pública. A militarização da polícia não é exclusividade do Brasil. Porém, há diferenças em relação aos modelos de países como França, Itália, Espanha e Portugal, onde as policias militares são federais e têm atuação mais restrita e unificada (ostensiva e investigativa). 

Na condição de militares , os policiais brasileiros submetem-se ao Código Penal Militar e ao Regulamento Disciplinar do Exército. São julgados, por uma Justiça específica. Ao ingressarem na carreira, eles se abstêm de direitos civis, como se manifestar politicamente, integrar empresas, fazer greve e se sindicalizar (embora se organizem em associações e eventualmente parem as atividades em motim para reivindicar melhores condições de trabalho ou aumento dos vencimentos). 

As remunerações variam de estado para estado. Segundo levantamento do Fórum Brasileiro de segurança Pública, divulgado no final do ano passado, os salários de investigador da Polícia Civil variavam até 268% de uma unidade da federação para outra. Já entre os policiais militares, a diferença chegava a 200%. Há duas carreiras na PM, ambas com acesso por concurso público: a dos praças (que exercem função técnica), de soldado a subtenente, e a dos oficiais (gestores da policia), a partir de segundo-tenente até coronel― patente à qual só alguns conseguem chegar, uma vez que a ascensão por tempo de serviço vai até tenente-coronel. 

O artigo 144 da Constituição Federal de 1988 descreve a função de cada uma das cinco polícias. A Civil e a Militar são subordinadas diretamente ao governo do estado ou do DF, enquanto as outras têm atuação federal. A primeira assume a parte investigativa e, a segunda, a ostensiva. Assim, as unidades federativas têm duas forças policiais com estruturas, planos de carreira, treinamentos e efetivos próprios, porém complementares.

Texto escrito por Paula Oliveira

Fonte:  Revista Congresso em Foco. 

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