Filiação de cabo, que pretendia reforçar legenda do PSOL nas eleições de 2014, acabou se tornando um problema
“Deus está no comando, juntos somos fortes, e nenhum passo daremos atrás.” Como em uma pregação num púlpito evangélico, o deputado federal Cabo Daciolo (PSOL-RJ) encerra mais um discurso — sempre da mesma maneira. Em menos de dois meses de mandato, o comportamento político-religioso de Benevenuto Daciolo Fonseca dos Santos queimou sua relação com o laico PSOL e levou a legenda ao dilema da expulsão, trauma já enfrentado por companheiros de partido. O PSOL foi criado, ainda no primeiro governo Lula, por um grupo de parlamentares expulsos do PT por não compactuarem com decisões do governo e do partido.
Daciolo — defensor da teocracia, onde Deus é soberano — entrou na legenda pelas mãos da corrente PSOL do Povo, ligada ao movimento sindical, após namoro com o PRB do senador Marcelo Crivella. Líder da greve que parou o Corpo de Bombeiros do Rio em 2011, culminando com a ocupação do Quartel Central, o parlamentar levou para a sigla socialista um histórico de enfrentamento ao governo estadual, mas não um perfil identificado com a ideologia partidária. Sua previsão de votos para as eleições do ano passado era de apenas 12 mil, o que tornou sua filiação interessante para a legenda: o então candidato reforçaria a votação do partido, sem a hipótese de vitória. Mas, o que seria uma boa saída para eleger nomes alinhados com as ideias do PSOL, tornou-se uma grande dor de cabeça. Daciolo somou 49.831 votos e garantiu uma vaga na Câmara.
VOTOS DE MILITARES E EVANGÉLICOS
Ex-comissário de bordo e bombeiro do Grupamento Marítimo do Rio — foi expulso em 2012 e reintegrado à corporação por decisão judicial —, Daciolo é o representante do “PSOL de Jesus”, nome dado ao seu grupo por simpatizantes. Sua conversão à igreja evangélica veio em 2004, por meio da Assembleia de Deus. Mas hoje o parlamentar transita por outras denominações religiosas, como a Bola de Neve, frequentada por sua maior aliada dentro do partido, a ex-deputada Janira Rocha. A ex-parlamentar, convertida há pouco tempo à Bola de Neve, foi flagrada em gravações, quando ainda tinha mandato, articulando caixa dois para campanha de 2010. Também foi acusada de desviar recursos do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência Social para o partido. Em outra gravação, Janira e Daciolo conversavam sobre a greve dos Bombeiros na Bahia e no Rio. O parlamentar acabou preso, sob acusação de estimular o movimento.
Janira — que em eventos de campanha de Daciolo lhe dava bençãos com as mãos sobre sua cabeça — enfrentou um processo no Conselho de Ética, mas não foi expulsa do partido. Assim como a aliada, Daciolo terá de se explicar ao conselho. Seus posicionamentos renderam na semana passada sua suspensão.
O caso de Daciolo será encaminhado ao conselho para averiguar “infidelidade partidária”. O parlamentar irritou o comando do PSOL ao apresentar uma Proposta de Emenda Constitucional para alterar o artigo 1º da Constituição e incluir a expressão “todo poder emana de Deus” na parte em que se diz “todo o poder emana do povo”. A direção do partido já havia questionado sua defesa dos militares acusados no caso do desaparecimento do pedreiro Amarildo, na Rocinha, e sua proximidade com o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), de extrema direita.
A entrada de Daciolo no PSOL, que tem seu reduto eleitoral entre militares e evangélicos, fez o partido repensar suas filiações. No segundo semestre, a legenda fará um encontro nacional, e um dos temas principais será a obrigatoriedade do alinhamento ideológico dos filiados. Para integrantes do PSOL ouvidos pelo GLOBO, Daciolo — figura rara nas reuniões partidárias — provavelmente estará na legenda durante o encontro, já que o processo de expulsão pode se arrastar por mais de um ano.
Fonte: O Globo
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