A assessoria jurídica da AMESE, através do Dr. Márlio Damasceno, absolveu mais um associado da entidade, nesta quarta-feira, dia 29. Desta feita foi o Sargento Solimões Costa Feitosa, que estava sendo processado perante a Comarca de Poço Redondo, referente ao processo nº 201086001179, sob a suposta acusação capitulada no art. 1º, inciso I, alínea “a” da Lei 9.455/97 (crime de tortura).
Durante a instrução processual a defesa mostrou que tudo não passou de uma perseguição ao Sargento Solimões, que foi injustamente acusado face gostar de cumprir a lei, fazendo com que os presos que estava custodiados na delegacia de Poço Redondo, não tivessem "regalias" à época, durante o seu plantão, como ocorria, quando não estava de serviço, fato devidamente provado através das testemunhas arroladas pelo Dr. Márlio, sendo que algumas delas chegaram a afirmar que determinado preso que tinha regalias, conseguiu passagens aéreas para o escrivão que trabalhava na delegacia à época, viajar até São Paulo. Face a este fato, o citado advogado requereu ao Ministério Público que apurasse tal fato, tendo o Promotor de Justiça Dr. Raimundo, solicitado cópia dos depoimentos prestados e instaurou processo para apurar tais regalias, que segundo as testemunhas ouvidas em Juízo, eram dadas pelo escrivão à época.
A AMESE fica feliz com a absolvição de mais este militar injustamente acusado e que agora teve sua devida absolvição, mostrando o competente trabalho realizado pela assessoria jurídica da entidade.
Confiram abaixo a parte final da sentença que absolveu mais um associado da AMESE:
Processo nº 201086001179
Competência: Poço Redondo
Classe: Ação Penal - Crimes de Tortura
Autora: Justiça Pública
Réu: Solimões Costa Feitosa
Advogado: Márlio Damasceno Conceição - OAB/SE 2.150
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Às fls. 207/209, alegações do réu, postulando a absolvição.
É o breve relatório. Decido.
2 – Fundamentação.
Tratam-se os autos de processo criminal que tem por escopo apurar a responsabilidade criminal de Solimões Costa Feitosa quanto à conduta descrita no art. 1º, inciso I, alínea “a” da Lei 9.455/97.
Não vislumbro a existência de preliminares a serem enfrentadas, razão pela qual passo à análise do mérito.
O Ministério Público narra, em sede de denúncia, que o denunciado teria torturado as vítimas Washington José Matos dos Santos e Antônio Marcos da Cruz, a fim de obter a confissão destas com relação ao furto de uma ovelha.
Ao apresentar alegações finais, todavia, pugnou pela absolvição.
Pois bem. Assiste razão ao órgão ministerial.
A conduta prevista no art. 1º, inciso I, alínea “a” da Lei 9.455/97 caracteriza-se pelo abuso de poder da autoridade, a qual passa a agir de modo ilícito, com o propósito de constranger alguém, que esteja sob seu poder ou guarda, a confessar ou declarar a respeito de algo.
Ao compulsar os autos, todavia, percebe-se que, apesar a vítima Washington José Matos dos Santos e a testemunha José Cláudio dos Anjos terem afirmado em instrução que o Sr. Solimões, então Comandante do Estacamento da Polícia Militar, torturou Antônio e Washington na Delegacia do Município de Poço Redondo/SE; dos demais elementos colhidos nos autos exsurge outra versão dos fatos.
O denunciado aduz que a presente acusação surgiu em razão de os Policias Militares, no momento em que exerciam o controle da Delegacia deste Município, terem cortado os privilégios recebidos pelo preso Zé do Sertão, os quais eram concedidos pelos integrantes da Polícia Civil. Assim, com o escopo de ver afastado do Município o Sargento Solimões, o referido detento tramou toda essa estória. Eis o seu interrogatório:
Interrogatório de Solimões Costa Feitosa, fl. 199-v:
[…] que a acusação não procede; […] que o Delegado não estava na mesma hora em que eles chegaram; […] que Zé do Sertão estava tendo muitos privilégios na Delegacia […]; que quando ficou sabendo disso, eles começaram a colocá-lo na cela, a ter os horários de sol; que entrou em desentendimento com o Delegado; que ficaram em atrito; que ficou sabendo que esse preso estava tentando prejudicá-lo; […] que a negociação foi feita no gabinete do Delegado; que a vítima disse que foi o Delegado quem fez o acordo; que o Delegado levou em mãos o dinheiro à vítima; que quando entregou o ROP constava que os presos estavam sem lesões; que teve conhecimento de que Zé do Sertão bancou passagens aéreas para o escrivão ir a São Paulo; […] que o escrivão deu presentes ao preso; que outros presos já estavam reclamando; […] que a gente resolveu dar a ele o mesmo tratamento dos outros; […] que ele era uma pessoa muito dissimulada; […] que ele recebia visitas constantes; […] que seu comportamento na polícia é excepcional; […] que trabalhou, em média, 05 anos em Poço Redondo; que saiu duas vezes daqui; que sempre as pessoas clamavam o seu retorno; […] que, na operação, estava com ele, o soldado Tadeu e não lembra se tinha mais um; que eles, a todo momento, estiveram juntos; […] que, em momento nenhum, ficou sozinho com as supostas vítimas.
Ademais, os policiais militares, à época, Tadeu Goes Aragão e Arnon Fontes confirmaram tal versão.
Oitiva de Tadeu Gois de Aragão, fl. 203-v:
[…] que trabalhou uns dois anos com o acusado; que era soldado e ele era comandante do estacamento da Polícia Militar; que à época desse fato, trabalhava em Poço Redondo; que, nessa época, estava preso na Delegacia um rapaz conhecido como Zé do Sertão; que o pessoal da polícia civil deu um certo privilégio a ele durante certo tempo; […] que ele saia com agente da polícia civil para passear na cidade […]; que como consequência desses fatos, o acusado começou a questionar essa postura por parte dos policiais civis e do Delegado; que em consequência disso, começou a haver desentendimentos entre a Polícia Militar e Civil; que, até onde ele sabe, o acusado agia corretamente; que não presenciou espancamento em face de Washington e Antônio; que durante o tempo em que a Polícia Civil ficava a na cidade ele tinha essas regalias; que foi isso que gerou atritos; […] que ele acabou colocando a Polícia Civil contra a Militar inventando estórias; […] que ele o disse que arrumou passagens para o escrivão e para o Delegado ir ao Paraná; […] que não presenciou o acordo, mas soube dele posteriormente; […] que ficou sabendo que o acordo foi feito entre o Delegado, um parente da vítima e outro do acusado; […] que nunca viu o acusado agredindo ou torturando preso; que ele é um cara que age com energia, dureza, mas torturando não; que diante dessas intrigas, geradas principalmente por Zé do Sertão, […] havia essa estória de que o acusado seria retirado da cidade; […] que o acusado era caxias, essa era uma das queixas de Zé do Sertão; […] que na ocasião da prisão o Delegado não estava na Delegacia; que não sabe informar se foi lavrado auto de prisão em flagrante com relação ao furto da ovelha.
Oitiva de Arnon Fontes, fl. 203-v:
[…] que é companheiro de trabalho do Senhor Solimões; […] que participou da ocorrência que resultou na prisão de Washington e Antônio; […] que eles se deslocaram, fizeram diligências e encontraram parte da ovelha roubada […]; que a dona da ovelha estava com eles; […] que, ao efetuar a prisão, eles confessaram depois; […] que na época desse fato, existia animosidade entre o pessoal da polícia militar e da civil; […] que Zé do Sertão tinha certos tipos de regalias e da parte deles eles não concediam; […] que quando eles estavam na Delegacia, tratavam Zé do Sertão como um preso normal; […] que todos os presos eram tratados de forma igual; que Zé do Sertão disse a ele que conseguiu passagens para Diogo, à época escrivão, Ivan e o Delegado Tomiello; […] que Zé do Sertão chegou a dizer que ele cobrava de um preso para liberar as famílias porque ele chegou a cumprir o horário determinado; que Zé do Sertão disse que ele cobrava propina para a família de preto; […] que não viu o acusado espancá-los; […] que eles não estavam em si, como se tivessem usado algum tipo de droga ou bebida alcoólica; […] que Zé do Sertão disse para ele que ia denunciar o Sargente por causa dos cortes de regalias […]; que, para eles, “o erro” do Sargento foi cortar as regalias que os presos tinham;
Por sua vez, a Sra. Elúzia Francelino dos Santos, cozinheira da Delegacia deste Município, a qual estava presente em diversos horários no referido ambiente nega a existência do delito de tortura:
Oitiva de Elúzia Francelino dos Santos, fl. 203-v:
[…] que trabalhava na Delegacia em março de 2008; que era cozinheira […]; que não viu nenhum tipo de espancamento feito pelo acusado; […] que chegava na Delegacia 07h da manhã, saía meio-dia, voltava 15h e saía umas 19h ou 20h; […] que no período que estava lá não viu qualquer espancamento por parte do Sargento; […]; que nenhum preso que esteve na Delegacia lhe reclamou que era espancado pelo Sargento Solimões.
A seu turno, a Sra. Cicera, dona da ovelha supostamente furtada por Antônio e Washington, afirma que estes confessaram em sua presença, de forma livre, o furto, sem, portanto, ter existido a prática de tortura.
Oitiva de Cicera Pereira da Silva, fl. 203-v:
[…] que tinha uma propriedade, da qual foram levadas algumas ovelhas; […] que percebeu esse furto no outro dia; […] que andaram 7 km e viram o couro e a cabeça da ovelha; […] que eles confessaram; que presenciou eles confessando porque eles foram juntos; que, nesse momento, eles confessaram espontaneamente; […] que a mulher dele disse que ia pagar a ovelha; […] que fizeram acordo com o Delegado; que o sargento Solimões não fez acordo; que o acordo foi feito no gabinete do Delegado; […] que eles chegaram a me pagar; […] que nunca ouviu história de que eles foram espancados; que já conversou recentemente com a irmã de Washington e ela, em momento nenhum, disse que ele havia sido espancado; […] que na hora em que estava lá não viu Washington e Antônio serem espancados; […].
Percebe-se, destarte, que, não obstante a afirmação da vítima, os outros elementos probatórios presentes nos autos não corroboram a sua alegação. A jurisprudência nesses casos entende pela absolvição do réu, visto que insuficientes as provas de materialidade e autoria delitivas:
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE TORTURA - RECURSO MINISTERIAL - CONDENAÇÃO - INSUFICIÊNCIA DE PROVAS QUANTO AUTORIA DELITIVA PARA EMBASAR UMA CONDENAÇÃO - DÚVIDA - ACUSAÇÃO SEM LASTRO EM PROVA CONCRETA NOS AUTOS - INDÍCIOS - ÔNUS DE QUE NÃO SE DESINCUMBIU O MINISTÉRIO PÚBLICO - ABSOLVIÇÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. - Não havendo a necessária e completa certeza, por meio de provas cabais de autoria, deve ser mantida a sentença absolutória. (TJ-MG - APR: 10349110018216001 MG , Relator: Kárin Emmerich, Data de Julgamento: 04/02/2014, Câmaras Criminais / 1ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 14/02/2014. Grifo nosso).
APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE TORTURA - MATERIALIDADE E AUTORIA ROBUSTAMENTE COMPROVADAS - DEPOIMENTOS E TESTEMUNHOS UNÍSSONOS NO SENTIDO DE DESCREVER A CONDUTA DOS APELANTES - PERDA DO CARGO DECRETADA PELO JUIZO DE ORIGEM - POSSIBILIDADE - AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DO § 5º, DO ART. 1º, DA LEI N.º 9.455/97 - INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.(APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2013314966, SANTA ROSA DE LIMA, Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, DES. LUIZ ANTÔNIO ARAÚJO MENDONÇA , RELATOR, Julgado em 11/11/2013)
Nesse contexto, é cediço o entendimento de que para se proferir um decreto condenatório revela-se imprescindível a existência de um conjunto probatório apto a conduzir, de forma inequívoca, à autoria e materialidade delitiva, o que não ocorreu no caso em tela, pois não há exame de corpo e delito juntado aos autos comprovando as agressões supostamente sofridas pelas vítimas. Além disso, diversas testemunhas confirmaram a tese defensiva aduzida pelo réu e em contraponto aos fatos narrados na inicial acusatória.
Portanto, em casos deste jaez, em que a dúvida é séria, a medida a ser adotada pelo Magistrado não é outra senão a absolvição do Réu, em respeito ao tão festejado princípio do in dubio pro reo, corolário nos direitos fundamentais da pessoa humana – nos quais se apoia o espírito da Justiça – e no princípio da não-culpabilidade.
O princípio universal e básico do Direito Penal moderno é claro: in dubio pro reo. Tal princípio decorre diretamente, conforme ora afirmado, do estado de inocência, pelo qual se presume inocente o acusado até prova em contrário, sendo ele muito mais do que mero princípio lógico do sistema, pois tem sede constitucional, residindo no mais alto reduto do ordenamento magno, o capítulo dos direitos e garantias fundamentais, precisamente no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, assim redigido: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
3 – Dispositivo.
Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO formulado na denúncia e, em consequência, ABSOLVO o denunciado SOLIMÕES COSTA FEITOSA pela prática do delito capitulado no art. 1º, inciso I, alínea “a” da Lei 9.455/97, diante da inexistência de prova suficiente para a condenação, nos moldes do artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
PATRICIA CUNHA PAZ BARRETO DE CARVALHO
Juiz(a) de Direito