Este blog obteve, em primeira mão, a decisão do juiz Alexandre Abrahão, um dos mais corajosos do Rio de Janeiro, sobre um processo que acaba de completar duas décadas.
O caso é revelador da exploração política de cadáveres no Brasil e do funcionamento da Justiça.
Recapitulo:
Em 8 de maio de 1995, houve uma grande operação policial em Nova Brasília, no Complexo do Alemão, e 13 suspeitos acabaram mortos, oito dos quais dentro de uma casa. A maioria apresentava perfurações no tórax e na cabeça e tinha idade variando de 17 a 21 anos.
Desde então, a turma dos “direitos humanos” se empenha, como de costume, pela incriminação dos policiais por execução. Os jornais, que são parte da turma, tornaram o caso famoso como “a chacina de 13 pessoas no Alemão”, ignorando, como de costume, alguns fatos relevantes.
Por exemplo:
- Aparentemente, a polícia chegou no momento em que havia um confronto de facções no complexo, o que resultou em uma guerra generalizada.
- Dos 13 “executados”, não se sabe quantos foram mortos por facções rivais, mas um deles foi morto com “munição caseira”, que não é usada pela polícia.
- No dia seguinte, foi necessário pedir autorização ao tráfico para ir ao local fazer perícia, ou seja: a “cena do crime” já estava mais do que prostituída, comprometendo a coleta de provas.
Explicações do Ministério Público
A promotora responsável pelo caso desde 2013, Carmen Eliza Bastos de Carvalho, informou dias atrás:
- o MP “esgotou todas as diligências no inquérito e não teve como denunciar”.
- “Ouvimos testemunhas, parentes das vítimas e moradores. Das 22 armas, conseguimos localizar 17. Fizemos confronto com as cápsulas encontradas nos corpos em 16 armas, mas nenhum deu positivo, todos foram negativos ou inconclusivos.’”
- “Certo é que a descrição das lesões em algumas vítimas indicam que as mesmas foram executadas, em situação, portanto, diversa de legítima defesa. Ocorre que, apesar de todas as diligências realizadas, não se conseguiu identificar de quais armas partiram os disparos.”
- “Infelizmente, na época dos fatos o que se podia fazer não foi feito. Depois de anos, não havia mais qualquer diligência a ser realizada. É sempre frustrante quando não se consegue chegar à autoria em qualquer investigação de homicídio, mas o MP fez tudo o que podia fazer.”
A decisão do juiz
Pois bem. A pedido dos promotores Cláudio Cardoso e Carmen Eliza, o juiz Alexandre Abrahão determinou, no dia 7 de maio, o aquivamento do processo, “fazendo cessar o constrangimento ilegal impelido aos investigados”, a “evidente tortura psíquica por parte do Estado em detrimento dos indiciados”, “mantidos com a corda no pescoço, pasmem, nos últimos 19 anos”.
Abrahão não descarta a hipótese de ter havido execução policial em meio à guerra daquele fatídico dia, mas frisa que isto não legitima ao Estado fazer o que quer e bem entende com o inquérito para dar justificativas à sociedade:
“Execuções, ainda quando exterminados ‘notórios criminosos’ (para alegria ingênua da massa), são repugnantes e covardes. Merecem intenso repúdio, penas agravadas e apuração eficaz. Contudo, não pode o Estado, através dos seus Órgãos e/ou Poderes, instituir um verdadeiro ‘vale tudo’, praticando lesões a direitos e garantias individuais apenas e tão somente por conveniência social e/ou política.”
A intervenção dos “Direitos Humanos” na Justiça
Em 2009, o Ministério Público já havia pedido e conseguido o arquivamento do processo por ausência de elementos mínimos para lastrear a ação penal. Em 2013, no entanto, “do nada, o Ministério Público, instado apenas e tão somente por um requerimento da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, elabora largo parecer afirmando a necessidade de desarquivamento dos autos para o prosseguimento das investigações”.
O juiz Abrahão diz que “agrediram eles dispositivo legal e jurisprudência sedimentada quando optaram por desarquivar estes autos sem uma prova nova sequer!”, como é requerido por lei.
Em vez de prova, o requerimento da Secretaria de Direitos Humanos se dizia “em razão da responsabilização do Estado brasileiro por tais fatos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos” e de um mero “erro de subsunção”, razões que, para o juiz, “não são, nem de longe, notícia de prova nova a embasar o desarquivamento do feito. O Ministério Público, vejo com tristeza, desconsiderou a decisão do magistrado anterior”.
Ao ignorar a decisão judicial e deflagrar a colheita das provas indiciárias, o MP “rompeu ditames constitucionais e legais; daí porque todo o acervo probatório promovido”, escreve Abrahão, “deve ser desconsiderado e declarado inválido, o que aqui determino enquanto decisão judicial”.
O juiz, no entanto, elogia a isenção da promotora Carmen Eliza, que menciona a decisão do magistrado anterior ao pedir novo arquivamento do processo.
Só para lembrar: se não tivesse chegado o ofício da Secretaria de Direitos Humanos, ninguém teria desarquivado o processo que gerou toda essa confusão.
A pressão sobre o juiz
Para piorar, o inquérito foi cozinhado até a beira da prescrição, que ocorreria no dia 8 de maio, e empurrado com pressão para Abrahão em seu primeiro dia à frente do tribunal do júri.
Na primeira página da decisão, ele afirma:
“Inicialmente esclareço que assumi a titularidade deste Tribunal no dia 04/05/2015, quando de logo recebi estes autos, à beira da prescrição. Todos os envolvidos desenvolveram durante 19 anos suas tarefas, restando para o Poder Judiciário míseras 72 horas para analisar todo o acervo.”
Se Abrahão mandasse o processo para o Procurador Geral da Justiça, certamente muitos diriam que o processo prescreveu na mão do Judiciário, que, como de costume, ficaria com a culpa.
Em sua conclusão, o juiz dá o troco no Estado:
“Não se justifica a permanência, durante infindáveis 19 anos, de seres humanos estagnados como reles indiciados, aguardando as incertezas, conveniências e oportunismos estatais.
A incompetência estatal tornou este um processo de vítimas! Só restaram vítimas aqui!”
Concluo
Pois é. A decisão pelo arquivamento parece toda bem fundamentada, por mais lamentável que seja o episódio.
Só acho uma pena que o juiz não possa arquivar, também, a Secretaria brasileira e a Comissão Interamericana de “Direitos Humanos”.
Fonte: Veja/Blog de Felipe Moura Brasil
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