INTRODUÇÃO:
Previsto no art. 203 do Código Penal Militar (CPM) o delito do sono é um crime propriamente militar conforme inteligência do art. 9º, inciso I do CPM, não encontrando correspondente na lei penal comum.
Incorre nesta infração o militar que dormir durante o serviço de sentinela, vigia ou plantão às máquinas, ao leme, ronda ou em qualquer serviço de natureza semelhante. Figura no pólo ativo tanto o oficial quanto o praça das forças armadas federais e estaduais. Trata-se de crime de mera conduta, pois o legislador apenas descreve o comportamento do agente, classificado também como crime formal, o qual a consumação se opera com a adequação do comportamento ao tipo incriminador sem se cogitar o resultado naturalístico da ação.
Por se tratar de uma legislação especial o bem jurídico tutelado é a segurança das instituições militares, bem como do armamento, instalações, navios, aeronaves, dentre outros. A finalidade desta proteção é garantir que a organização militar tenha condições de cumprir sua função constitucional seja em tempo de paz, de guerra declarada ou de calamidade pública.
A doutrina castrense em posição majoritária entende que o crime é punível exclusivamente em decorrência do dolo, devendo ser comprovado analisando a conduta do acusado na prática do injusto. Ocorrendo hipótese de adormecimento culposo, a contenda resolve-se no âmbito administrativo disciplinar. Daí a máxima de que toda condenação criminal, por delito funcional, acarreta em punição disciplinar, mas nem toda infração administrativa exige sanção penal.
Este artigo não visa esgotar o assunto e nem oferecer a última palavra. O que se pretende é demonstrar que não havendo dolo na ação do militar e a culpa for amparada por um fenômeno fisiológico/patológico do homem ou pela ingestão de algum medicamento, a conduta poderá ser considerada como atípica, devendo o agente ser isento de pena na esfera criminal e administrativa.
Dispõe o artigo 19, inciso I da Lei nº 14.310/02, que estabelece o Código de Ética e Disciplina Militar da Polícia Militar de Minas Gerais, ser o “motivo de força maior ou caso fortuito, plenamente comprovado” uma causa de justificação diante do julgamento da transgressão disciplinar. Logo, fica isento de punição administrativa o acusado que comete determinada infração disciplinar comprovando o motivo de força maior.
DESENVOLVIMENTO:
A expressão dormir significa entrar em repouso para o corpo e a mente, durante o qual a volição e a consciência estão em inatividade parcial ou completa. O homem necessita de sono para o descanso fisiológico, como necessita de alimento para suprir sua fome. Durante uma noite de sono existem vários estágios conforme descrito:
Vigília (período em que a pessoa está acordada); sono REM (também chamado sono paradoxal, quando a pessoa se agita. Predomina na segunda metade da noite); Fase 1 (sonolência), que é a transição de vigília para o sono; Fase 2 (sono leve e superficial); Fases 3 e 4 (período mais tranquilo para o organismo. Predomina na primeira metade da noite), quando se chega ao sono profundo. (MONTENEGRO, 2007, p.89).
Para Loureiro Neto “o sono constitui um fenômeno fisiológico, proveniente de diversas causas, como a fadiga, principalmente o excesso de atenção, resultante ora de excitações externas, ora de imagens reproduzidas e mesmo diminuição dessas imagens” […] (LOUREIRO NETO, 1992, p.185).
Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger, citados por Ronaldo João Roth, discorrem sobre o ato de dormir da seguinte forma:
Dormir significa desligar-se do que se passa em sua volta, perder a noção do ambiente que o envolve, seja por pouco tempo (cochilo), seja por longa duração (sono profundo). Já que o tempo em que o militar dorme é elemento não delimitado no tipo em estudo, basta que o tempo em que a pessoa se desligou da realidade haja a ameaça aos bens jurídicos tutelados, ou seja, o dever e o serviço militares. (ROTH, 2007)
O art. 203 do CPM, diz ser penalmente relevante:
Dormir o militar, quando em serviço, como oficial de quarto ou de ronda, ou em situação equivalente, ou não sendo oficial, em serviço de sentinela, vigia, plantão às máquinas, ao leme, de ronda ou em qualquer serviço de natureza semelhante. (BRASIL, 2012).
A conduta descrita no tipo se amolda às atividades das forças armadas, Exército, Marinha e Aeronáutica. No entanto, também é aplicada aos militares estaduais. A expressão “qualquer serviço de natureza semelhante” abrange um rol indeterminado de situações que envolvam a segurança da Unidade ou de terceiros, bem como o dever de vigilância. Tal situação atinge também aquele militar que trabalha no rádio-patrulhamento motorizado em via pública, pois a condição desta modalidade de policiamento é a total atenção ao serviço de segurança pessoal e de terceiros com o objetivo de preservar a ordem pública.
A doutrina majoritária adota a criminalização do tipo dormir em serviço considerando as peculiaridades da função militar, onde a segurança de bens e pessoas tem um peso maior.
Assim, assevera Célio Lobão:
O militar tem o dever legal de valer-se de todos os meios possíveis para evitar que adormeça nos serviços especificados. Se esses meios se apresentam ineficazes, cumpre comunicar ao superior hierárquico, para que providencie sua substituição. Realmente, se em vez de movimentar-se, o militar senta-se ou recosta-se, cria condições favoráveis ao sono. No entanto, se apesar da movimentação, o sono se apresenta como iminente e inevitável, dificultando os passos, afetando a concentração, só resta comunicar ao superior para as providências cabíveis[…] (LOBÃO, 1999.p.295).
Noutro giro, ausente o elemento subjetivo “dolo”, a conduta, em regra, praticada a título de culpa, deságua em infração disciplinar por se tratar de violação de dever praticado por funcionário público. Se o adormecimento é culposo, como por exemplo, quando o militar está sob efeito colateral após ingerir comprimidos para dor sabendo que pode lhe causar sonolência, mas acredita poder resistir, vindo a dormir, o fato resolve-se em âmbito disciplinar.
Ronaldo João Roth cita sobre a ocorrência de transgressão disciplinar o seguinte:
Notamos que a transgressão disciplinar é mais abrangente que o crime de dormir em serviço, pois neste o CPM especifica certas situações relativas ao Oficial ou à Praça que podem cometer o delito, enquanto aquela é genérica e engloba as situações previstas como crime. A nosso ver se houve o crime também haverá a transgressão disciplinar, mas quando esta existir nem sempre haverá o crime. (ROTH, 2007).
Caso o militar venha a dormir em situações diversas das especificadas pela Lei Penal Militar, ou vier a dormir culposamente, responderá disciplinarmente em todas as hipóteses, sob o fundamento de que em todas as suas atividades o militar tem o dever de permanecer acordado, como pressuposto da regularidade da própria função. O Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais, editado pela Lei nº 14.310/2002, no âmbito da Polícia Militar de Minas Gerais – PMMG, “dispõe em seu artigo 13, inciso XV, que dormir em serviço configura transgressão disciplinar de natureza grave”. (Minas Gerais, 2002).
Em certos casos é imperioso que o acusado seja submetido a exames clínicos a fim de verificar se por motivos de ordem fisiológica era impossível evitar o sono ou outro fenômeno orgânico inevitável contra o qual não se pode reagir. Somente após tal investigação será possível aferir se houve ou não a incidência de modalidade culposa. Deve-se apurar na fase de instrução se o militar teve o dolo de realizar a conduta típica descrita no art. 203 do CPM e se a conduta foi capaz de causar potencialidade lesiva. Logo, por meio de uma interpretação teleológica, a legislação castrense penaliza a conduta do militar, sem aguardar a ocorrência de resultado danoso à unidade militar, pois a consumação está na própria execução da conduta.
Diante das hipóteses citadas o acusado que “dormir em serviço” não tem escapatória, havendo dolo responde pelo crime militar, se provado que agiu com culpa responde disciplinarmente. Se a conduta praticada não se enquadrar em nenhuma dessas situações e for provado que o militar não resistiu ao sono em consequência de algum estado patológico ou por razões de fadiga, inexiste o dolo e por consequência, o crime.
No tocante a esta corrente minoritária que considera a conduta fato atípico ficando o acusado isento de pena, o Superior Tribunal Militar estatuiu:
EMENTA: Apelação. Dormir em serviço. Os autos não evidenciaram a vontade livre e consciente de praticar a conduta típica de dormir, quando em serviço imputada ao militar. À luz dos fatos, não restou caracterizado significativo prejuízo para o serviço consoante o ilícito descrito no art. 203 do CP. ( Apelação (FO) nº 0000017-58.2006.7.02.0202/SP (2008.01.050904-6). Relator Ministro Gen Ex Raymundo Nonato de Cerqueira Filho. Apelação julgada em 12/08/2010.)
Em decisão unânime proferida em sede de apelação, entendeu o Conselho Permanente de Justiça, órgão responsável por julgar o praça em 1ª instância da Justiça Militar, serem as provas frágeis e não demonstrarem que o acusado agiu com o dolo essencial à caracterização do delito. Na segunda instância o STM corroborou no mesmo sentido analisando que estando ausente um dos elementos formadores do crime de dormir em serviço, impõe-se a manutenção da sentença absolutória, com fulcro no art. 439, “b” do CPPM.
Outra decisão do mesmo mister está ancorada no acórdão do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo, que negou provimento a recurso do Ministério Público, mantendo a sentença de 1ª instância de dois militares estaduais que adormeceram no interior de viatura policial em serviço:
EMENTA: Os juizes da E. Segunda Câmara do Tribunal de Justiça Militar do Estado, à unanimidade de votos, em negar provimento ao apelo interposto pelo Ministério Público, de conformidade com o relatório e voto do E. Juiz Relator, que ficam fazendo parte do acórdão.(Apelação nº 5.81/08). Relator Orlando Geraldi. Apelação julgada em 18/03/2010.
O tribunal paulista entendeu que no caso em tela os bens jurídicos tutelados pela norma do art. 203 do CPM, não foram ameaçados, na medida em que a viatura estava abrigada naquela unidade policial e os réus não poderiam mais dar continuidade às atividades de ronda. Além disso, ficou constatado que os réus não prepararam o ambiente premeditando aqueles momentos de sono, e que foram surpreendidos pela fadiga sendo impossível evitar o sono após várias horas de trabalho. Apesar de não constar nos autos, por força da disciplina, os militares provavelmente foram responsabilizados disciplinarmente.
Quanto a total isenção de pena na esfera penal e disciplinar, após vasta pesquisa, não foi localizado nenhuma jurisprudência junto aos tribunais, pois a corrente que predomina é a condenação do militar tendo este agido com dolo no ato de dormir. Como já mencionado excluindo o dolo resta ao militar ser submetido à punição na seara administrativa, uma vez que não há modalidade culposa para o delito do sono. Não seria esta uma incriminação que beira ao absurdo?
Patologias do sono:
Consultando a enciclopédia livre da Wikipédia a “Hipersonia” é um distúrbio do sono caracterizado por sonolência excessiva durante o dia e/ou sono prolongado a noite. E ao contrário de problemas de sono causados por noites mal dormidas, dormir durante o dia não diminui a sonolência. Também ocorre em pessoas com ciclo de sono invertido (por exemplo, trabalhadores noturnos). Pode ser classificada como hipersonia idiopática (quando a causa não é conhecida), sintomática (quando for sintoma de outro transtorno) ou medicamentosa (quando for efeito colateral de uma droga). Pessoas com hipersonia devem evitar dirigir e utilizar ferramentas/máquinas perfurantes ou cortantes enquanto estiverem sonolentas. É comum em trabalhadores noturnos, que nesse caso passam tanto o dia quanto a noite com sono mesmo dormindo mais de 8h por dia.
Como a função do militar lhe exige também o trabalho noturno seria justo puni-lo diante de adormecimento provocado pela patologia citada? Por uma questão de justiça, a resposta sempre será negativa. Contudo, existe uma tendência em não reconhecer tais distúrbios orgânicos presentes na conduta do militar, sendo que comprovada a intenção de dormir já se enquadra no tipo descrito no art. 203 do CPM. Caberá a defesa do acusado arguir por meio das provas admitidas em direito o reconhecimento dessas anomalias demonstrando provas na fase de Inquérito quanto na fase processual.
A “Narcolepsia” é também considerada um distúrbio do sono sendo caracterizada por episódios irresistíveis de sonolência. Doença de difícil diagnóstico é definida como:
O sintoma mais expressivo é a "preguiça" e sonolência diurna excessiva, que deixa o paciente em perigo durante a realização de tarefas comuns, como conduzir, operar certos tipos de máquinas e outras ações que exigem concentração. Isso faz com que a pessoa passe a apresentar dificuldades no trabalho, na escola e, até mesmo, em casa. Na maioria dos casos, o problema é seguido de incompreensão familiar, de amigos e patrões. A sonolência, geralmente, é confundida com uma situação normal, o que leva a uma dificuldade de diagnóstico. É comum portadores da narcolepsia passarem a vida inteira sem se darem conta que o seu quadro é motivado por uma doença, sendo tachados por todo esse tempo de preguiçosos e dorminhocos. No entanto, se o narcoléptico procurar ajuda especializada, vai descobrir que é vítima de um mal crónico, cujo tratamento é feito por meio de estimulantes e que se pode prolongar por toda a vida. ( SONO , 2012).
Outros distúrbios do sono podem ser provocados pela ingestão de diversas drogas lícitas como as indicadas para o tratamento de depressões e pacientes com sintomas de psicose. Ademais, o uso de drogas ilícitas também podem provocar efeitos colaterais capazes de causar sonolência, seja ela diurna ou noturna.
Estudo de casos concretos:
Com o objetivo de ilustrar nossa pesquisa levantamos dois casos concretos que ocorreram na subárea do 34º BPM/1ªRPM envolvendo militares que, durante o rádio-patrulhamento, adormeceram no interior de viaturas policiais colocando em situação de vulnerabilidade a própria segurança, os bens sob a administração militar e a segurança pública local. Para preservar as partes envolvidas não serão citados os nomes dos militares presos em flagrante em caso episódio, indicando apenas a qual graduação pertencem, haja vista que em um dos casos o processo está em andamento e não transitou em julgado.
O Auto de Prisão em Flagrante Nr. 107713/13 – 34º BPM relata o seguinte:
Conforme se abstrai dos autos, por volta de 02h30min do dia 23 de abril de 2013, a guarnição ROTAM COMANDO, comandada pelo 1° Ten PM Christian Percinalli Mardones encontrava-se em patrulhamento pela Av. Clóvis Salgado quando vislumbrou, nas proximidades do Motel Fly, estabelecimento situado na cidade de Contagem, três viaturas da PMMG estacionadas (VP 18453, e VP 18455 - do 34° BPM; e VP 18533 – do 18° BPM). Ao verificar o que estaria ocorrendo, observou que, no interior de uma das viaturas policiais (VP 18453), havia um policial militar dormindo, sendo identificado posteriormente como sendo o Sd PM Fulano de tal. Ressalta-se que os vidros da VP 18453 se encontravam embaçados e que, mesmo após a aproximação da guarnição ROTAM COMANDO, o Sd PM continuava dormindo, sendo necessário o 1° Ten PM Christian bater nos vidros da viatura para que aquele militar viesse a despertar do sono. Em entrevista ao Conduzido, este confirmou que estava dormindo e tentou justificar, alegando que seu dia havia sido difícil.
Ao ser questionado pelo Oficial acerca do paradeiro dos demais militares, uma vez que não havia outro militar no interior das viaturas, o SD PM disse que os demais milicianos estariam lanchando no interior do Motel Fly. Após alguns instantes, os demais Conduzidos saíram do interior do Motel Fly e, ao serem questionados sobre o motivo de estarem no interior do estabelecimento, alegaram que o SD PM Tal havia sido solicitado, por meio de ligação telefônica, pelo segurança do Motel Fly, Sr Keverton, a comparecer no local a fim de averiguar um indivíduo suspeito. Ao ser interpelado sobre o registro da chamada em seu celular, o Sd PM alegou que seu aparelho de telefone não possuía recursos de armazenamento de ligações. A Testemunha Keverton contradiz a versão dos conduzidos ao afirmar que deparou com a guarnição em patrulhamento nas imediações do Motel Fly e solicitou o apoio policial. As demais testemunhas não tomaram conhecimento de qualquer necessidade de intervenção policial e ainda vislumbraram os conduzidos lanchando no interior do estabelecimento. Extrai-se dos autos ainda que o Coordenador de Policiamento da Unidade do 34° BPM não tinha conhecimento da presença dos milicianos no interior do estabelecimento. Além disso, não houve qualquer registro de empenho dos militares no referenciado endereço e, tampouco, o local correspondia ao Setor de Patrulhamento de responsabilidade dos Conduzidos. Foi ratificada a prisão em flagrante em desfavor dos Conduzidos, não sendo, portanto, postos em liberdade, ocasião em que foram expedidas Nota de Culpa e Certidão de Direitos Constitucionais. Os conduzidos encontram-se presos no 5° BPM, sito à Avenida Amazonas, nº 6455, bairro Gameleira, nesta Capital, à disposição do juízo militar.
Após apurada análise dos fatos o Cmt do 34º BPM batalhão exara o seguinte:
Diante do exposto e após análise acurada dos autos deste APF, esta Autoridade de Polícia Judiciária Militar entende que há indícios de cometimento de crime militar tipificado no art. 195 do CPM (Abandono de Posto), pois, embora o local da abordagem estar situado a, aproximadamente, 400 (metros) do limítrofe territorial entre a área de responsabilidade da 17ª Cia Esp PM e do 18º BPM, é inequívoco afirmar que o Motel Fly encontra-se instalado no Município de Contagem (área do 18º BPM). O Sd PM Fulano de tal estaria incorrendo ainda, em tese, na prática de crime militar previsto no artigo 203 do CPM (Dormir em Serviço).
O APF deu origem ao processo nº. 0001009-19.2013.9.13.0002/2ªAJME, cujos militares foram colocados em liberdade provisória no dia posterior ao fato crime, sendo expedido o respectivo alvará de soltura. Verificando a movimentação do processo no Portal do TJMMG, o Ministério Público não ofereceu denúncia aos acusados pelos crimes do art. 195 e 203 do CPM, sendo designada audiência de transação penal para o mês de agosto do corrente ano. No caso em tela é notória a existência do crime militar de dormir em serviço praticado pelo soldado, tendo em vista que o agente teve o aninus/vontade de se desligar do mundo exterior ficando totalmente alheio ao serviço para o qual estava escalado, caindo em sono profundo. Não que há se falar em transgressão disciplinar haja vista que o elemento subjetivo não foi a culpa.
Compulsando os autos não foi detectado nenhum motivo que pudesse ensejar em uma possível patologia pré-existente do acusado. Em sua defesa alegou que adormeceu após um dia “difícil”, ficando prejudicada e sem fundamentação sua tese, demonstrando que sua conduta foi alicerçada no dolo.
Outro caso encontrado trata-se da Portaria de IPM nº. 107672/11 – 34º BPM que descreve fato ocorrido no dia 13/06/11, em que uma guarnição foi flagrada de maneira irregular em um posto de gasolina na Capital por oficial responsável pela Supervisão. Nos autos o oficial supervisor deparou com o comandante da guarnição dormindo no interior da viatura PM e o motorista desembarcado próximo ao balcão de um estabelecimento comercial.
Consta no relatório da supervisão que a viatura se encontrava em local pouco iluminado, com sua direção voltada para um muro, banco reclinado e sem o giroflex ligado, sugerindo dolo na conduta do envolvido, requisito indispensável para configuração do crime militar.
O IPM em epígrafe foi remetido à Justiça Militar para análise do Ministério Público sendo oferecido ao graduado o benefício da Transação Penal, com o intuito e impedir a propositura de ação penal. O acusado aceitou a oferta ministerial tendo a punibilidade extinta após o cumprimento das condições impostas.
Os casos apresentados foram devidamente apurados pela administração militar sendo constatado, sem sombra de dúvida, a ocorrência do dolo dos acusados no cometimento do crime. Isto posto, não se trata de aplicação de isenção de pena, nem tão pouco, desclassificação para transgressão disciplinar. Não obstante, quando do conhecimento do fato criminoso, sugere-se que a administração seja criteriosa e conheça a realidade de cada miliciano, evitando que possíveis patologias, desconhecidas pelo próprio acusado, não venham a ser confundida com os elementos subjetivos dolo ou culpa.
Conclusão:
Observa-se que o ato de dormir em serviço é um delito doloso e sua ocorrência também pode coincidir com a infração disciplinar de mesma natureza, ou pode existir singularmente se o militar vier a dormir em atividades diversas das especificadas pela lei penal militar.
Faz-se necessário para a caracterização do crime militar do art. 203 do CPM que o agente tenha percorrido todo o caminho do crime, denominado de inter criminis, ou seja, deve ser aferido o elemento de cunho subjetivo e objetivo para se imputar o tipo em questão.
É oportuno ressaltar que na justiça castrense a Teoria da Ação adotada pelo CPM é a Causalista Normativa no qual o dolo e a culpa estão inseridos na culpabilidade, enquanto no direito penal comum a teoria adotada é a Finalista, em que o elemento subjetivo é apreciado na tipicidade. Assim, o elemento subjetivo só será apreciado no momento em que se verificar a culpabilidade do autor, tornando mais complexa uma absolvição por atipicidade de conduta e total isenção de pena.
É notório que a intenção do legislador é a repressão e, na seara disciplinar, a ideia é semelhante. No entanto, existe a possibilidade do militar adormercer por alguma causa fisiológica ou até mesmo patológica. Não se pode aplicar a pena do art. 203 sem ser aventada a hipótese do militar ser vítima de uma doença até então desconhecida por ele.
Conclui-se que a visão do legislador castrense é fundada no método puramente legalista que teve origem no Estado Moderno, modelo este já superado, pois a lei se apresenta cada vez mais falível no limiar do 3º milênio. A aplicação exclusiva da letra fria da lei não mais resolve os problemas sociais de forma justa em cada caso concreto. Partindo do conhecimento de que o miliciano foi vencido pelo sono em decorrência de necessidade fisiológica ou de alguma patologia desconhecida, não cabe ao Estado infligir nenhuma pena/castigo de caráter educativo, e sim isentar o acusado de qualquer responsabilidade penal e disciplinar encaminhando-o para tratamento médico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Código penal militar: Código de processo penal militar: Constituição Federal: Legislação. Organizador Ricardo Vergueiro Figueiredo. 10ª. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2012. p.179.
BRASIL, Superior Tribunal Militar. O Ministério Público Militar teve provimento negado no tocante a absolvição de ex-Sd Era, do crime previsto no art. 203, caput do CPM. Apelação (FO) nº 0000017-58.2006.7.02.0202 Rel. Ministro Raymundo Nonato de Cerqueira Filho. Rev. Ministro José Coelho Ferreira Disponível em: <http://www.stm.gov.br>. Acesso em: 23 jul. 2013, 22:46:18.
LOBÃO, Célio. Direito penal militar atualizado. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.
LOUREIRO NETO, José da Silva. Direito Penal Militar. São Paulo: Editora Atlas, 1992.
MINAS GERAIS, Lei nº 14.310, de 16 de junho de 2002. Dispõe sobre o Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, p.7-45, 19 de junho de 2002.
MONTENEGRO, Carolina. As fases do sono. Revista Galileu. Editora Globo, abril, p. 89, 2007.
ROTH, Ronaldo João. Dormir em serviço: crime militar ou transgressão disciplinar? Artigo publicado na Revista de Direito Militar, AMAJME, São Paulo, nº 65, mai/jun. 2007. Disponível em <HTTP:// WWW.jusmilitaris.com.br>. Acesso em 20 jul 2012, 15:50:06
SÃO PAULO, Tribunal de Justiça Militar. Apelação negada ao órgão ministerial sendo mantida a sentença absolutória proferida pelo Conselho Permanente de Justiça. Apelação criminal nº 0001281-70.2006.9.26.0010. Relator Orlando Geraldi. Disponível em : <http://www.tjmsp.jus.br>. Acesso em : 22 jul 2013, 10:19:36.
Artigo escrito por: Paulo Moisés de Souza Macedo, 2º Tenente da PMMG, Bacharel em Direito pela PUC Minas, Especialização "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal Militar, pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais.
Fonte: Jus Navigandi
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