segunda-feira, 29 de junho de 2015

O POLICIAL QUE SE COLOCA NUMA BOLHA.


No célebre conto “O Alienista“, de Machado de Assis, o personagem Simão Bacamarte celebrizou-se por ser o médico/psiquiatra que internou toda a cidade de Itaguaí, após diagnosticar cada um dos habitantes com desvios psicológicos: o vaidoso, o bajulador, a supersticiosa, a indecisa e por aí vai.

Após apontar o dedo para todos a sua volta, o doutor Simão acaba ficando sozinho, isolado dos demais, que passam a habitar o hospício Casa Verde.

“Acusamos colegas e suas organizações como se fôssemos detentores do monopólio da legitimidade institucional da polícia”

O conto machadiano é uma metáfora para diversas formas de isolamento que praticamos contemporaneamente, mas agora, em especial, ele se revela adequado para analisar um cenário recorrente nas organizações policiais brasileiras, que é o isolamento de setores, seções, unidades, delegacias, comandos, instituições, e dos respectivos integrantes desses núcleos. Às vezes, com a mesma certeza de Simão Bacamarte, acusamos colegas e suas organizações como se fôssemos detentores do monopólio da legitimidade institucional da polícia ou de outras organizações de segurança pública.

O que parece ser a principal razão para esse entendimento arrogante é a falta de comunicação, e a consequente ausência de percepção do papel do outro no contexto profissional em que atua. Trabalhar no setor de licitações, atuar no policiamento motociclístico, realizar operações de alto risco, ser policial civil ou militar, enfim, cada uma dessas “etiquetas” apenas revela que os desafios enfrentados por cada um são distintos e geralmente incomparáveis.

Ao nos colocarmos em uma bolha, julgamos que nosso esforço é maior que o dos demais membros da organização

Seria importante que, antes de menosprezar o papel institucional do outro, cada um de nós considerássemos os variados obstáculos existentes nas variadas missões possíveis. Ao nos colocarmos em uma bolha, julgamos que nosso esforço é maior que o dos demais membros da organização, nos intitulando detentores da verdade institucional – que só existe (se existe!) por causa da união dos vários esforços.

Geralmente deslegitimar o vizinho é mais fácil que enfrentar seus próprios desafios. Essa é uma fuga comum para quem não consegue lidar consigo mesmo, como Simão Bacamarte, se mantendo sozinho, em sua bolha.

Fonte:  Abordagem Policial (Danillo Ferreira)

Um comentário:

  1. Ótimo texto. Muito bem redigido e realmente expressa a verdade das instituições policiais e seus servidores.
    Parabéns.

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