segunda-feira, 26 de outubro de 2015

PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO E O CÓDIGO PENAL MILITAR.


Nos termos do disposto na Lei nº 9.714, de 25 de novembro de 1998, são penas restritivas de direito: a prestação pecuniária; a perda de bens e valores; a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; a interdição temporária de direitos; e limitação de fim de semana (art. 43 do CP com nova redação).

Referidas penas são aplicáveis de forma autônoma e substitutiva às penas privativas de liberdade, quando estas não forem superiores a quatro anos, e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, ou, qualquer que seja a pena aplicada, quando o crime for culposo (art. 44, do CP com nova redação).

Exige também a legislação penal, como requisitos para aplicação das penas restritivas de direito, que o réu não seja reincidente em crime doloso e que a culpabilidade, ou os antecedentes, a conduta social, a personalidade do condenado e os motivos e circunstâncias do caso sob julgamento indiquem ser suficiente a adoção da substituição.

Referida legislação foi editada para alteração do Código Penal, como se verifica em seu preâmbulo, não fazendo qualquer referência a legislação especial, na qual se inclui o CPM.

Quando se trata o assunto perante a Justiça Militar, a referência são os julgados do STM, nos quais se verificam os seguintes argumentos.

Jurisprudência STM.

(não há previsão legal)

I ) Acórdão: num: 2006.01.050207-6 UF: RS Decisão: 29/06/2006

Proc: Apelfo – Apelação (FO) Cod. 40

Publicação: 09/10/2006 Vol. Veículo:

Ementa: DESRESPEITO A SUPERIOR – PENA – ALTERNATIVA – INAPLICABILIDADE Á JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO

I – A construção pretoriana desta Corte de Justiça Castrense é desfavorável à aplicação dos institutos penais alternativos à Justiça Militar da União, não sendo possível chancelar-se o critério adotado pela Decisão questionada.

II – Recurso a que foi dado provimento por Decisão majoritária.

Ministro Relator: Sergio Ernesto Alves Conforto

Ministro Revisor: Carlos Alberto Marques Soares

II) Acórdão: num: 2004.01.049594-0 UF: RJ Decisão: 16/09/2004

Proc: Apelfo – Apelação (FO) Cod. 40

Publicação: 23/11/2004 Vol. Veículo:

Ementa: TÓXICO. GUARDA E USO EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR – RÉU CONDENADO À PENA DE RECLUSÃO. SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRIDA.

1.Restando comprovado que o Acusado guardava e/ou usava substância entorpecente (maconha), em lugar sujeito à administração militar, a conduta do mesmo está caracterizada como crime, em uma das modalidades previstas no artigo 290 do Código Penal Militar.

2.Não há que se falar em substituição da pena de reclusão, aplicada ao Apelante, por pena restritiva de direitos, por ser inaplicável ao caso concreto, considerando-se que o artigo 55 do CPM enumera os tipos de penas principais a que estão sujeitos os condenados pelos crimes previstos no referido Códex, não havendo lacunas suscetíveis à aplicação subsidiária da legislação penal comum. Negado provimento ao apelo da Defesa, para manter a Sentença "a quo". Decisão majoritária.

Ministro Relator: Carlos Alberto Marques Soares

Ministro Revisor: Flavio de Oliveira Lencastre

Ministro Relator para Acórdão: Flavio de Oliveira Lencastre

Depreende-se de tais julgados que o fundamento para não aplicação das penas restritivas de direito é a ausência de tais dispositivos no CPM, bem como a não aplicação de alterações legislativas que só foram direcionadas ao Código Penal.

Evidente que o argumento vale por si só.

Não há como se questionar que a lei acima apontada não fez referência ao CPM.

Trilhando esse entendimento o STF proferiu as seguintes Decisões:

1) RE 273900/ SC – SANTA CATARINA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator (a): Min. Sepúlveda Pertence

Julgamento: 08/09/2000 Órgão Julgador: Primeira Turma

Publicação:

DJ 08-09-2000 PP-00023 EMENT VOL-02003-10 PP-02185

Parte(s):

Recte: Jose Márcio Ribeiro de Carvalho

Recdo: Ministério Publico Estadual

Ementa: I – RE: norma constitucional de direito intertemporal e interpretação das norma infraconstitucionais em alegado conflito. Para solver a questão de direito intertemporal relativa à incidência do art. 5º, XL, da Constituição, é necessário – e, por isso, admissível, mesmo em recurso extraordinário – interpretar as normas infraconstitucionais de modo a aferir da existência do conflito no tempo entre elas. II . Direito Penal Militar: penas restritivas de direito: a L. 9174, limitada à alteração do art. 44 C. Pen. comum, não se aplica aos crimes militares, objeto de lei especial diversa no ponto.

2) HC 86079 / SP – SÃO PAULO

Relator (a): Min. JOAQUIM BARBOSA

Julgamento: 26/09/2006 Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação: DJ 06-11-2006 PP-00050 EMENT VOL-02254-03 PP-00432

Parte(s):

Pacte: Fause Luiz Lomonaco

Impte: Fause Luiz Lomonaco

Adv: Luiz Henrique Marques e outro (a/s)

Coator: (a/s) (ES): Superior Tribunal Militar

EMENTA:

HABEAS CORPUS – CONDENAÇÃO PELA JUSTIÇA MILITAR. CONVERSÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITOS. MILITAR DA RESERVA. NÃO APLICAÇÃO DO REGIME ABERTO. CONHECIMENTO PARCIAL. ORDEM DENEGADA. O Supremo Tribunal Federal não é competente para julgar habeas corpus em que se impugne ato de juiz-auditor da Justiça Militar. Não reconhecimento da impetração no ponto. A lei 9.174/1998, que trata das penas restritivas de direitos, limitou-se a alterar o Código Penal nessa matéria. Tal alteração não alcança os crimes militares, objeto de lei especial distinta no ponto – o Código Penal Militar. O fato de o paciente encontrar-se na reserva não o subtrai ao campo de incidência do Código Penal Militar, cujas normas sua conduta violou. A conversão de pena restritiva de liberdade em pena restritiva de direitos só é viável nas condenações não superiores a dois anos. Denegação da ordem.

Entretanto, ainda que estejamos aplicando a lei no caso concreto, podemos dar uma interpretação ao sistema jurídico penal brasileiro, para o fim de atendermos à justiça e à paz social, além da lei, evidentemente.

Nesse sentido, a interpretação mais recente, dada pelo STF em decisão que avaliou o assunto, aponta para a correção de caminhos possibilitando a aplicação das penas restritivas de direito na Justiça Militar para civis.

(Acórdão) STF:

HC 91709 / CE – CEARÁ

HABEAS CORPUS

Relator (a): Min. CARMEN LÚCIA

Julgamento: 16/12/2008 Órgão Julgador: Primeira Turma

Publicação: Dje 048 Divulg 12/03/2009 Public 13/03/2009

Ement VOL-02352-01 PP-00181

RTJ VOL 00209-01 PP-00245

RT v. 98, n. 884, 2009 p.481-488

Parte(s):

Pacte: Francisco de Assis Scomparin

Impte: Defensoria Pública da União

Coator: (a/s) (ES): Superior Tribunal Militar

EMENTA:

HABEAS COPPUS. CRIME MILITAR. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO. IMPOSSIBILIDADE NA ESPÉCIE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. È firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de não se admitir a aplicação da Lei 9714/98 para as condenações de crimes militares, sendo esta de aplicação exclusiva ao Direito Penal Comum. Precedentes. 2. A conversão da pena privativa de liberdade aplicada pela Justiça Militar por duas restritivas de direito poderá ocorrer, pelo menos em tese, desde que o paciente tenha de cumprir pena em estabelecimento prisional comum e a pena imposta não seja superior a 2 anos, nos termos previstos no art. 180 da Lei de Execução Penal, por força do que dispõe o art. 2º, parágrafo único, daquele mesmo diploma legal. 3. Na espécie, contudo, a pena fixada ao Paciente foi de dois anos, nove meses e dezoito dias de reclusão. Não há, portanto, como ser reconhecido a ele o direito de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. 4. Habeas corpus denegado.

Como apontou Saulo Ramos no discurso de posse do Presidente do STF, Cézar Peluso, "direito nem sempre é a lei. É a Justiça, que busca a felicidade do ser humano, e não a obediência cega a um preceito formal. Muitas vezes, acima da força da lei está o poder da razão.

Embora se possa questionar quais os limites da interpretação "do poder da razão", que varia de Juiz para Juiz, é inegável que ao aplicador da lei em muitas situações, faz-se necessária uma interpretação que atenda, além da lei, à justiça e à paz social.

Dessa forma, age o STM e tantos outros tribunais e magistrados quando, por exemplo, definem em seus julgados o que é pequeno valor, o que é insignificante.

De tal sorte é possível dar-se interpretação que atenda a parâmetros do sistema jurídico penal, e não somente a um código.

Todavia, questões hermenêuticas são controversas, e queremos aqui demonstrar que penas restritivas de direito já existem no CPM, por expressa disposição legal, e que a aplicação da referida legislação, como ponderado pelo STF só trará justiça às decisões da seara castrense.

Em artigo colhido na página da Internet www.jusmilitares.com.br Maria Fernanda de Lima Esteves, Mestre em Direito PUC-SP, faz uma remissão histórica quanto a imposição de penas pelo Estado, e aponta como penas restritivas de direito no CPM o impedimento (art. 63), a suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função (art. 64), e a reforma (art. 65), concluindo que tal espécie de pena, tanto de forma autônoma, como de forma alternativa ou substitutiva, não encontra impedimento para sua aplicação no Direito Penal Militar, ao contrário, atende aos princípios que regem o próprio Direito Penal.

Nesse sentido, temos que o direito penal militar não está excluído do rol de possibilidades de penas alternativas, via de consequência a adoção de tais espécies de pena foram admitidas pelo legislador que entendeu não restarem maculados os princípios de disciplina e hierarquia com a adoção das referidas formas de pena.

Mais ainda, é inegável o avanço do direito penal e processual penal como um todo, na direção de restringir cada vez mais as penas de encarceramento do indivíduo, tanto ao final de uma ação penal como durante a instrução do processo.

Confirmando esta assertiva, basta consultar o novo diploma legislativo que trata da prisão processual, fiança, liberdade provisória e demais medidas cautelares, Lei nº 12.403/11, de 05.05.2011.

Também é certo que a competência das Justiças Militares nos dias atuais tem se restringido a processar e julgar militares, estando em franca decadência sistemas jurídicos que admitem a figura do denunciado civil perante a Justiça Castrense, situação esta que pode ser constatada nas exposições do V Encontro Internacional de Direito Humanitário e Direito Militar, realizado de 26 a 28 de abril de 2011 em Lima/Peru, promovido pela Associação Internacional das Justiças Militares e nos Enunciados da ONU.

Em razão destes irremediáveis rumos, entendemos que a adoção das penas restritivas de direito substitutivas das penas privativas de liberdade, para delitos previstos no CPM e praticados por civis, ou condenados civis, atenderia uma irrefreável corrente de adequação dos sistemas jurídicos penais castrenses aos dias atuais, trazendo princípios do século XXI ao direito penal militar brasileiro e atendendo as doutrinas mais recentes quanto à liberdade e dignidade do homem.

REFERÊNCIAS:

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9a. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2008.

ASSIS, Jorge Cesar de. Comentários ao Código Penal Militar, 6a. ed. Curitiba, Editora Juruá, 2007.

Direito Penal Militar. Legislação – Brasil - I - Edgard de Brito Chaves Júnior, 7a. ed. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1999.

www.stf.jus.br – Pesquisa Jurisprudência. www.jusmilitares.com.br.

www.planalto.gov.br – Legislação.

Artigo escrito por Ailton José da Silva, Promotor da Justiça Militar, lotado na Procuradoria de Justiça Militar do Rio de Janeiro - PJM/RJ (3º ofício) Pós graduado em:1) Curso de Especialização Aperfeiçoamento em Poder Judiciário Fundação Getulio Vargas - TRF - 2006/2007 - Rio de Janeiro, RJ.2) Curso de Pós Graduação Lato Sensu MBA em Planejamento e Gestão Estratégica - Fundação GetulioVargas - 2005 - Rio de Janeiro, RJ;3) Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia - ESG , 2005 - Turma Espírito Brasileiro, Rio de Janeiro, RJ. 4) Curso de Inteligência em Segurança Pública - CISP, 2004 - Rio de Janeiro, RJ.

Fonte:  Jus Navigandi

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