Policiais que se ferem em ocorrências ou acidentes têm dificuldades para receber indenização em São Paulo
Passava das 8h do dia 11 de julho de 2013 quando o sargento da Polícia Militar Djalma da Silva Junior recebeu uma chamada, via rádio, para atender a uma ocorrência de assalto a uma fábrica dentro de um condomínio de empresas em Arujá, na Grande São Paulo.
A viatura do policial foi a primeira a chegar ao local, dominado por 15 homens fortemente armados. Os bandidos mantinham funcionários como reféns. Nem bem parou, o carro da PM foi recebido a tiros de fuzil. Um deles atingiu a cabeça de Djama.
O soldado Kevin Kitahara estava ao lado do superior na hora dos tiros. “Quando eu o vi caído entre os bancos, me bateu o desespero”, contou. Passados três anos, o sargento vive hoje com uma prótese de acrílico que lhe reconstituiu parte do crânio. Ele ainda tenta superar o problema, mas não conta com ajuda de quem mais deveria lhe dar a mão nesse momento: o Estado, que o colocou frente a frente com uma arma de guerra.
“Meu marido já recebeu uma parte do seguro, mas ainda falta a indenização”, queixa-se Patricia Xavier de Almeida Silva, mulher do sargento. Ela conta que quando tudo estava certo, a assessoria jurídica da Secretaria de Segurança Pública fez uma ressalva. “Eles questionaram o fato de meu marido ter assinado um documento para receber o pagamento, já que ele foi considerado incapaz”, disse.
Segundo Patricia, no dia que o documento foi ratificado, na secretaria, ela própria leu os papéis e ainda perguntou ao funcionário quem deveria assinar, já que seu marido conseguia fazer a rubrica, mas estava impedido de escrever por extenso. “Disserem que ele poderia assinar”, contou.
Após disso o processo parou. Uma nova perícia foi solicitada. “Passamos mais uma vez na junta e o médico o examinou e disse que iria apenas afirmar o que já estava no primeiro laudo”, contou Patricia.
Os documentos voltaram para a SSP e novamente emperraram na burocracia “Agora pedem para eu interditá-lo. Para isso eu tenho de entrar com ação para pedir uma liminar. Estou precisando do dinheiro e ninguém esta nem ai”, desabafou.
A situação do sargento Djalma não é isolada. Segundo o coronel da reserva José Vicente da Silva, a falta de apoio aos PMs vítimas de ocorrências é um sério problema da corporação. “Falta assistência jurídica e médica. Para se ter uma ideia, no hospital da Polícia Militar faltam 80 médicos. Se não repõe nem os médicos que se aposentam, imagine como o Estado trata o seguro.”
A secretaria respondeu que o processo de indenização do sargento aguarda a nomeação de um curador para cuidar do trâmite administrativo. “A família está providenciando a documentação e um advogado”, disse a assessoria.
Outros casos de PMs feridos em ocorrências
Rota/ Em julho, uma viatura da Rota capotou após fazer manobras arriscadas na sede do batalhão, no Centro. Um policial ficou ferido e correu o risco de ter o braço amputado. A corporação não divulgou o nome do agente.
Ceagesp/ Em agosto, a policial militar Adriana da Silva Andrade foi atingida por um tiro de fuzil disparado por criminosos na região da Ceagesp, na Zona Oeste de São Paulo. A soldado ficou na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital das Clínicas e sobreviveu.
São Vicente/ No mesmo mês, um PM à paisana foi baleado por criminosos em São Vicente, no litoral de São Paulo. Câmeras de um comércio flagraram toda a ação dos suspeitos. A vítima foi atingida por pelo menos quatro tiros, passou por cirurgia e sobreviveu.
Morumbi/ Em setembro, um PM que estava de folga foi baleado durante uma troca de tiros com criminosos na Avenida Morumbi, na Zona Sul. O agente foi encaminhado a um pronto-socorro e sobreviveu.
Nas ruas de todo estado, uma guerra com mortos e feridos
O número de policiais militares mortos no estado, tanto em serviço quanto de folga, tem registrado queda ao longo dos últimos anos. Em 2012 foram 106 PMs assassinados contra 54 este ano (até o dia 14 passado).
E há uma guerra envolvendo policiais militares. Estatísticas divulgadas na semana passada pela Secretaria de Segurança Pública apontam que 469 pessoas foram mortas em confrontos com PMs no estado, entre janeiro e setembro. O número, segundo a SSP, é 37,29% menor do que em 2014. Entre PMs e “civis” mortos, foram 523 óbitos.
Em 14 de setembro de 2013, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) dobrou o valor das indenizações a famílias de policiais mortos ou inválidos, passando de R$ 100 mil para R$ 200 mil.
Análise/ Joel Mello_ membro da Comissão de Justiça Militar da OAB
Infelizmente o Estado não ampara os policiais militares quando eles mais precisam. Isso faz com que eles não trabalhem por estímulo, mas sim por vocação. Além da demora em receber seguros e indenizações, os PMs estão sujeitos a processos. A categoria de policial militar é a única que pode ser detida para averiguação. A corregedoria pode prender um PM por cinco dias para investigar o caso. Se nada for provado, arquiva o processo e fica tudo por isso mesmo. Com a falta de amparo, o Estado abre uma brecha para que maus PMs acabem se enveredando pelo caminho do crime.
Soldado acidentado pode ter de pagar por viatura batida
No dia 25 de abril deste ano, o policial militar Valdinei Santos de Souza estava em serviço na Zona Leste quando suspeitou de uma moto e partiu em perseguição. Ao passar o número da placa, via rádio, ao Copom (Centro de Operações da Policia Militar), ficou sabendo que se tratava de um veículo roubado. Depois de 20 km na cola do motociclista, o soldado perdeu o controle da viatura e bateu em um poste. No acidente, teve perda de 33 centímetros de massa encefálica. Ficou nove dias em coma e até hoje, seis meses depois, não recebeu o seguro a que tem direito. “Estou vivendo com R$ 1,5 mil líquidos do meu salário”, disse. “Perdi o que ganhava na Operação Delegada (bico oficial) e o vale-alimentação”. O pior, argumenta o PM, é que um processo foi aberto e ele ainda pode ter de ressarcir a corporação pelos prejuízos na viatura. A Secretaria da Segurança Pública disse que o pedido de indenização do soldado está em apuração preliminar para avaliar o seu grau de invalidez. Disse ainda que foi aberta sindicância para apurar a responsabilidade do policial nos danos ao carro.
ENTREVISTA/ Elcio Inocente_ ex-PM
Presidente da Associação dos Policiais Militares Portadores de Deficiência do Estado de São Paulo, Elcio Inocente comanda uma instituição que tem 23 mil associados, todos vítimas de acidentes ou ocorrências violentas.
DIÁRIO_ Por que o Estado demora tanto para indenizar um policial militar envolvido em acidente ou violência?
ELCIO INOCENTE_ Já cobramos recentemente até do secretário de Segurança Pública. Isso vem ocorrendo cada vez mais frequentemente e deixa os policiais passando por grandes dificuldades.
E em alguns casos o PM ainda tem de indenizar o Estado?
Quando bate a viatura, o PM paga o conserto para não se submeter a uma sindicância interna, que o retém uma semana no quartel e o faz perder o bico.
Isso não funciona como uma falta de estímulo ao PM?
Muitos de nossos integrantes (da PM) que ficaram com sequelas foram vítimas de ataques criminosos. E, para piorar, não é raro o caso do cônjuge que abandona seu parceiro. É um trabalho muito ingrato este nosso.
O que precisa ser feito para mudar essa realidade?
É urgente que providências sejam tomadas, porque nossos policiais, após se tornarem deficientes, ficam numa cama, usando fraldas geriátricas, dependendo de camas hospitalares, cadeiras de rodas, tudo por conta do estrago feito pelo crime.
Fonte: Diário de São Paulo
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