A Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania promoveu audiência
pública na última terça-feira (27) para discutir a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 149/07, do Executivo, que autoriza os estados a
estabelecerem cota de 20%, nos concursos de admissão de soldados da
Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, para candidatos que tenham
prestado serviço militar obrigatório e tenham baixa renda.
A proposta tramita em conjunto com outra PEC (52/15), do deputado
João Campos (PSDB-GO), que estabelece a mesma cota, mas para serviço
voluntário, com a dispensa de concurso público – medida que já foi
adotada durante dois anos em Goiás, até ser considerada inconstitucional
pelo Supremo tribunal Federal.
A proposta original foi enviada pelo Executivo ao Congresso em 2007
como uma das medidas do Programa Nacional de Segurança Pública com
Cidadania (Pronasci). O então ministro da Justiça Tarso Genro justificou
a proposta como uma maneira de evitar que o soldado egresso do serviço
militar fosse cooptado pelo crime organizado.
“É
sabido que, por adquirirem habilidade no uso de armamentos e
conhecimentos em táticas de guerrilha, os jovens que prestaram Serviço
Militar obrigatório – em especial aqueles pertencentes a famílias de
baixa renda – são disputados pelo crime organizado”, justificou o
ministro na ocasião.
Polêmica
O projeto é polêmico e dividiu os participantes da audiência pública.
Deputados e representantes da Polícia Militar de vários estados
criticaram duramente a proposta, defendida pelo deputado João Campos e
pelo secretário de Segurança Pública de Goiás, Joaquim Cláudio
Figueiredo Mesquita.
Campos e Mesquita deram como exemplo a experiência de Goiás que, por
meio de uma lei estadual (17.882/12), criou o Serviço de Interesse
Militar Voluntário Estadual (Simve). Em 2014, o STF considerou a lei
inconstitucional – no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) nº 5163.
Segundo o secretário de Segurança de Goiás, durante dois anos, 2,4
mil soldados egressos do serviço militar ajudaram a diminuir os índices
de criminalidade no estado.
“Após a implantação do programa e recrutamento através de cinco ou seis processos seletivos, não temos mais nenhuma dúvida sobre a pertinência e adequação do modelo. Nos locais onde foi implantado, o Simve ajudou a diminuir o número de furtos e assaltos”, disse.
Os policiais voluntários, sem vínculo com o estado, tinham salário de
cerca de R$ 4 mil, além de assistência médica e treinamento de três
meses para a função.
O coronel Elias Miler da Silva, da Federação Nacional de Entidades de
Oficiais Militares Estaduais, classificou a proposta como
discriminatória e inconstitucional. “Esse projeto obriga as instituições
a prestarem assistência social. Vai abrir um leque no sentido da
desqualificação da PM”, disse.
Treinamento
Críticas parecidas foram repetidas pelo comandante da PM de Minas
Gerais, Marco Antonio Badaró Bianchini. Segundo ele, o treinamento
conferido a um soldado nas Forças Armados é completamente distinto do
treinamento de um soldado da PM.
“As forças armadas combatem o inimigo e inimigo bom é inimigo morto. O policial militar combate o criminoso, e o criminoso tem gradação, dos mais aos menos perigosos. São duas esferas completamente diferentes”, disse.
Segundo Bianchini, o soldado da PM de minas Gerais tem formação
humanista e treinamento para agir próximo à população. Para o comandante
da PM mineira, criar cotas na seleção de soldados a partir de critérios
sociais, sem exigir a qualificação prevista em concurso público, é uma
ofensa à categoria. “Nós integramos o capítulo da segurança pública da
Constituição, e não o capítulo da assistência social. O policial militar
tem que ser mais qualificado. Dizer que isso não é necessário demostra
muito bem o que se quer da segurança pública do país. Essa proposta é um
desrespeito à PM do Brasil”, disse.
Já o chefe do Estado Maior da PM de Goiás, Victor Dragalzew Junior,
apontou vantagens do modelo aplicado no estado. “São vários pontos
positivos: a possibilidade de o ex-militar obter seu primeiro emprego,
ser estimulado a estudar e, como ele não tem vínculo empregatício com o
estado, não onera o caixa”, disse.
As vantagens financeiras do serviço temporário voluntário na PM
também provocaram debate. Para o deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG),
não se pode resolver o problema financeiro dos estados por meio da
“precarização” do policiamento. “A proposta é um desrespeito aos
policiais militares, que tem se capacitado e lutado para que soldados
tenham curso superior”, disse.
Segundo o deputado, criar cotas sociais para o ingresso na Polícia
Militar poderia ser comparado a nomear delegados temporários da Polícia
Civil aproveitando egressos de cursos superiores de Direito, sem
concurso e com base apenas em critérios de renda.
Tramitação
A audiência pública foi solicitada pelo deputado Capitão Augusto
(PR-SP), que apresentou voto em separado contrário ao projeto na
Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania.
A proposta, com as duas propostas de emenda à Constituição apensadas,
teve parecer favorável do deputado Esperidião Amin (PP-SC). Ele
argumenta que a PEC mantém íntegros o pacto federativo e a autonomia dos
entes estaduais, uma vez que lhes caberia, mediante lei ordinária
estadual, fixar o percentual de vagas a ser reservado nos concursos
públicos, respeitado o máximo de vinte por cento. “Também não é razoável
o argumento de que a reserva de vagas ora cogitada resultará no
abrandamento do padrão de excelência que deve orientar a seleção de
policiais militares. Na verdade, é forçoso reconhecer que os candidatos
oriundos do serviço militar já trarão consigo habilidades específicas e
deveras úteis ao exercício do cargo”, disse o deputado em seu parecer.
Para o deputado capitão Augusto, a proposta é inconstitucional. “O
jovem de baixa renda será prejudicado no seu direito à igualdade por ter
limitada a sua chance de ingressar na carreira policial militar em
razão da reserva de vagas àqueles que prestaram o serviço militar
obrigatório”, justificou o deputado.
Ele também argumentou que a proposta é discriminatória contra as
mulheres, que não prestam o serviço militar obrigatório e teriam assim
seu direito de concorrer em pé de igualdade com os homens limitado pela
proposta.
O deputado João Campos defendeu a medida e disse que a proposta pode
ser aprimorada: “Todas as entidades de classe dos bombeiros e da PM de
Goiás apoiam a proposta”.
A proposta tramita em regime especial e, se aprovada pela Comissão de
Constituição e Justiça e Cidadania, será apreciada pelo Plenário da
Câmara.
Fonte: Agência Câmara
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