quinta-feira, 5 de novembro de 2015

SOLDADOS DO SILÊNCIO - ARTIGO ESCRITO PELO SARGENTO HÉLIO FEITOSA DO COE.


Estou aqui para me posicionar, mais uma vez. Muito embora a literatura universal/policial adote a afirmativa de que “não há crimes perfeitos”, de outro lado, a dureza da realidade nos diz que há crimes com níveis de dificuldades, por vezes, intransponíveis. Vários são os motivos para isso: o diálogo entre as Instituições investigativas e de Instituições de Inteligência de Segurança Pública (que muitas vezes atuam de forma entrelaçada) com o Estado Democrático de Direito é um dos principais óbices, muito embora, imprescindível como esteira de construção dessa tão ansiada sociedade mais justa. 

Lembremo-nos: saber de um crime e da sua autoria nem sempre será o mesmo que ter um liame jurídico estabelecido entre criminosos, vítimas, circunstâncias e a sua materialidade. Afinal, Policiais Militares e Civis são também garantidores dos Direitos desses facínoras (que negaram, inclusive, o Direito à vida ao memorável Sargento Filho); limitações materiais e de pessoal (mais ainda, de pessoal qualificado) também são empecilhos consideráveis nessas viagens que buscam respostas aceitáveis; enfim, para não ficar enfadonho, pois, todos sabem das nossas limitações de cor, escreverei “et cetera”.  

Muito embora as ações e investigações acerca das mortes de policiais militares estejam aparentemente paradas, isso não é verdade. Muitos dos segmentos da PMSE e PCSE iniciam seus trabalhos assim que lhes chegam essas notícias desalentadoras. Esses segmentos, estou quase certo, são os mais sofridos e frustrados (basta ver o que nos escreveu o meu Dileto companheiro, o APC Cirilo. Esse é apenas um dos que são muito cobrados e que, quando se consegue dar as respostas, geralmente são infrutíferas e bastante frustrantes, pelo menos no que se refere à sensação de Justiça. Volta e meia, os nossos aparatos penais permitem, quase que instantaneamente, a soltura de indivíduos que entendem que a quantia de R$ 50.000 (que não guarda nenhuma relação com o seu suor) lhes dá o direito de destruir qualquer coisa que se obste no seu obscuro caminho e mania de usurpação. Mesmo uma vida cheia de planejamentos... de arrimos de família... nada importa. A moeda de troca dessas eventuais solturas: um endereço fixo (eu preferia o endereço de uma escola que o agressor estudasse) e a primariedade do criminoso. Por conta disso, entendo e compreendo as bem-intencionadas e imprescindíveis provocações do nosso respeitadíssimo ESPAÇO MILITAR. Mas isso não quer dizer que, intimamente, não me sinta ainda mais frustrado. TODO O MEU RESPEITO AOS QUE COMPÕEM O BLOG E QUE CONSTROEM AS PUBLICAÇÕES DO ESPAÇO MILITAR. 

Dito isso, passo às minhas percepções e memórias:

Embora muitos dos militares que tiveram a sua vida criminosamente ceifada eram meus conhecidos, sou dos que não participou dos seus ritos funerários. Explico: em todos os casos, já nos primeiros momentos, envidei esforços e interagi com a Polícia Civil no sentido de identificar e possibilitar as prisões dos algozes desses nossos bravos guerreiros. Tenho policiais em minha equipe de Inteligência que registram pouco mais de um ano na Corporação. Creiam: mesmo de férias foram voluntários para continuar na busca desses seres bípedes, apelidados de gente. Não esqueci do Saudoso Cabo Arnaldo. Até hoje diligenciamos, nosso segmento e a equipe de agentes, escrivães e delegado do caso, no sentido de encontrar um norte para a sonhada resposta do caso. Não esqueci Soldado Luciano Menezes, do Sargento Filho.... Quando fui Cabo, o então Soldado Filho foi nosso motorista na RP... boas-lembranças. Não vou pontuar tudo para não ficar mais enfadonho esse meu testemunho. 

Não sou muito de concordar com ações limitadas ao mundo virtual e conheço muitos que também pensam assim. Vamos pegar! Vamos prender! etc. Definitivamente, esta não é bem a minha linha ideológica (sem crítica aos que assim se expressam). O mundo real manda que nos alinhemos com procedimentos e cuidados que podem nos custar o emprego... a vida.  Trocar de lugar com bandido na cadeia não é o melhor caminho. O nosso segmento civil não que isso para os seus policiais. Precisamos nos precaver acerca da nossa segurança jurídica na profissão, não esqueçamos disso.

Uma dica: já testemunhei, no acompanhamento de informações sobre mortes de policiais, quantidades que superavam trinta nomes de suspeitos que, em teses, teriam executado policiais. Pasmem: ao final de algumas dessas empreitadas, nenhum dos suspeitos indicados tinham envolvimento com o crime em tela. Assim, senhoras e senhores, dou-lhes pistas menores dessa complexa e frustrante atividade, que tende a adoecer, “latu sensu”, os seus operadores. Muitas das vezes, pessoas utilizam alguns mecanismos de justiça social, como o CIOSP e Disque-Denúncia, para promover verdadeiras vinganças pessoais ao falsear informações. No meio disso, nós, policiais militares e civis, densa e emocionalmente (não adianta dizer que não) carregados tendo que filtrar e/ou excluir a todas as suas possibilidades. E aqui, volto ao início da minha escrita quando falei da deficiência de pessoal especializado (essas ações requerem métodos e técnicas específicas) e de meios materiais. Imaginemos trinta informações de suspeitos em trinta municípios diferentes. Por si só, isso demoraria meses. 

Dito isso, entendendo ser uma espécie de prestação de contas à sociedade, esclareço que há segmentos policiais que não esquecem desses lutuosos acontecimentos em nosso seio. Sofremos e nos esforçamos de forma análoga aos demais segmentos policiais e sociais. Por questões Doutrinárias e legalistas, nem sempre podemos nos expor e expor os níveis de conhecimentos produzidos. Mas esse comportamento está bem longe do esquecimento. Não nos olvidamos disso, creiam. 

Para terminar, vou parafrasear fragmento dos ditos de JFK, Presidente dos EUA: toda honra aos Soldados do Silêncio, aqueles que os seus êxitos nunca são proclamados, mas que os seus insucessos são sempre apregoados. Conhecer o coração dos maus, deter suas ações, não ser percebido... Soldados do Silêncio.

Hélio Feitosa – Sargento PM – COE, em 05/11/2015.

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