EM 2 ANOS, ‘BONDES’ USAM 395 MIL PMS PARA SEGUIR QUASE 700 MIL PRESOS. PARA ESPECIALISTAS, AUDIÊNCIA EM VÍDEO PODERIA RESOLVER EM MUITOS CASOS.
Veículo da Secretaria de Administração Penitenciária deixa presídio em Campinas levando presos para prestarem depoimento em fóruns (Foto: Marcello Carvalho/G1)
O estado de São Paulo gastou mais de R$ 29,3 milhões e tirou das ruas 190.492 policiais militares para a tarefa de escolta de presos em 2015. No ano anterior, o número de PMs empregados no leva-e-traz de presos pelas rodovias do estado para os fóruns foi ainda maior: 205.342 policiais tiveram que ser retirados do policiamento, principalmente em cidades do interior, e o gasto chegou a mais de R$ 32,2 milhões.As escoltas são os “bondes”, realizados por longas distâncias e por longos períodos, em que os presos vão sentados em veículos fechados. O deslocamento de presos é necessário para garantir o direito do preso de se defender, conforme a legislação penal, e de acompanhar o depoimento de testemunhas de acusação e de defesa, sabendo quais provas estão sendo produzidas sobre ele, e de ser ouvido pelo juiz no processo em que é réu.
Conforme a quantidade de presos, a PM usa para fazer a escolta um carro de radiopatrulha (usado no policiamento nas cidades, com 2 homens) ou da Força Tática (com 4 homens). Em média, conforme os dados obtidos pelo G1, a PM usou no estado 2,26 policiais por escolta e 0,55 policiais por preso em 2015.
Mas há regiões com valores bem diferentes: na Região Metropolitana da Capital, por exemplo, a corporação empregou em média 4,09 PMs por escolta e 3,4 policiais por preso no ano passado.
Apesar da criação de um grupo específico de agentes penitenciários na Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) em 2014 para realizar a escolta de presos na capital e na Grande São Paulo, dados obtidos pelo G1 com base na Lei de Acesso à Informação indicam que o número de escoltas realizadas pela PM no estado não para de crescer em 2016.
De janeiro a março deste ano, foram realizadas 18.529 escoltas para o transporte de 88.045 presos. O número de escolas corresponde a 22% do total em 2015, e o número de presos transportados nestes três meses a 46,2% do total do ano anterior.
Na região de Presidente Prudente, no extremo oeste do estado, por exemplo, nos primeiros 90 dias de 2016, o número de detentos movimentados em escoltas superou em muito já o total de presos escoltados na região em 2015 e se aproximou ao total registrado durante todo o ano de 2014.
Só de janeiro a março deste ano, já foram 19.842 presos escoltados às custas do estado na região de Presidente Prudente, enquanto que, em todo o ano de 2015, foram 9.019 e, em todo o ano de 2014, foram 19.958. Em apenas três meses de 2016 (de janeiro a março), a PM já realizou a escolta de 88.045 detentos movimentados por todo o estado (46,2% do total transportado em 2015).
A região de Ribeirão Preto foi a que menos usou PMs por escolta (média de 1,84 em 2015), enquanto que a área de Presidente Prudente foi a que menos empregou PMs por preso (0,28 policiais por cada detento escoltado).
PM diz cumprir ordens
O G1 questionou a PM sobre quem paga a conta do transporte, porque há um excesso de PMs para a escola de presos na Grande São Paulo e as causas aumento da transferência de detentos em 2015 e 2016.
A Secretaria de Estado de Segurança Pública disse que “as escoltas são realizadas pela PM são cumpridas sempre que solicitadas pela SAP e pelo Poder Judiciário”. Conforme a nota, o trabalho “não causa nenhum prejuízo ao patrulhamento e ao atendimento à população, pois a PM conta com efetivo suficiente”. A assessoria de imprensa da secretaria informou que não pode detalhar como se faz o planejamento da escolta de presos porque a informação “é estratégica e de uso reservado”.
Já a SAP informou que busca manter os presos alocados em presídios próximos aos fóruns dos quais estão sendo processados e que, antes do translado, os presos recebem alimentação.
Reclamações
O defensor público Gustavo Junqueira, da Defensoria de Execuções Criminaism diz que em muitos casos os presos são levadosem veículos fechados e muitas vezes sem banheiro, sem comida e sem água e em condições de higiene inadequadas.
Para o defensor Junqueira, deveria ser facultado ao detento optar pelo difícil deslocamento. Segundo ele, presidiários são acordados nas cadeiras cedo e levados em jejum no translado. “É muito comum recebermos queixas dos presos que chegam aos fóruns passando mal, com náuses, brigando para usar o banheiro, por serem levados em grandes distâncias sem comida”, afirma o defensor.
A pasta diz que os veículos de bonde possuem banheiros e negou que haja falta de efetivo para o grupo responsável pela escolta na capital e região metropolitana, afirmando que isso “não gera sobrecarga de ações, pois o serviço é realizado de acordo com as disponibilidades e limites de meios humanos e materiais”.
Videoconferência é alternativa
Uma alternativa para evitar o gasto do dinheiro público e o deslocamento dos presos, as audiências por meio de videoconferência, que podem ser feitas pelos detentos nas penitenciárias onde cumprem penas, são polêmicas e ainda não há um consenso entre a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Defensoria e os magistrados sobre se o uso dela em todo tipo de audiência garante o direito à ampla defesa (leia mais abaixo sobre porquê as salas não são usadas).
A própria SAP tentou implementar a iniciativa, colocando à disposição do Tribunal de Justiça, desde 2005, um sistema de teleaudiências com 66 salas, buscando evitar “o deslocamento de presos até os fóruns e acelerar o julgamento, gerando economia de dinheiro e tempo, melhora na segurança e prevenindo possíveis resgates e fugas”.
O custo anual de manutenção das salas ainda pouco utilizadas é R$ 7,98 milhões. Para se ter uma ideia, uma das salas na Penitenciária de Guarulhos gera um custo mensal de manutenção de R$ 10,076 mil e só foi usada 4 vezes em 2015.
Outra sala, em um centro de detenção provisória de Franca, na região de Ribeirão Preto, foi usada 16 vezes em 2015. Manter a sala custou R$ 120,9 mil ao estado no ano. A sala pouco utilizada fica na região campeã de deslocamentos de presos realizados pela PM no estado nos dois últimos anos.
Foram 27.760 detentos levados nos bondes em 2015 a pedido do Judiciário, e mais 29.233 deslocados em 2014, que poderiam, muitas vezes, acompanharem algumas audiência por meio das salas de vídeo.
Atrás de Ribeirão Preto no número de movimentações de presos nos últimos dois anos estão as regiões de Sorocaba (que inclui Botucatu, Itapeva e Avaré) e de Piracicaba (com Limeira e Americana).
Audiência por vídeo não vinga
A questão do pouco uso de audiências por vídeo deve-se, conforme o G1 apurou, ao entendimento diverso de diversos órgãos sobre se este meio garante o amplo direito à defesa do preso no processo.
“O que acontece, na minha percepção, é que é um sistema novo ainda sendo deglutido pela comunidade jurídica e há muitas resistências com base em fundamentos doutrinários”, afirma o juiz Valdir Ricardo Lima Pompêo Marinho, assessor para assuntos de segurança pública do Tribunal de Justiça do Estado.
Marinho nega que haja excesso de requisitações para a presença dos presos nos fóruns. “Não existe e ninguém vai dizer o contrário, não se admite audiência em que vai se produzir prova contra o réu sem a participação dele. É uma decorrência direta e inexorável da ampla defesa, uma garantia constitucional. Uma coisa que temos que discutir é se há necessidade ou não da participação presencial pessoal do réu”, afirma o assessor da presidência.
Questionada sobre o baixo usado das salas de videoconferência, a secretaria informou que “a utilização depende exclusivamente das autoridades judiciárias, não cabendo qualquer tipo de providência pelo governo” para implementar a política.
Defensora pública fala com presos em penitenciária, por telefone criptografado, antes de audiência por vídeo no Fórum da Barra Funda (Foto: Tahiane Stochero/G1)
“Eu não tenho dúvida em afirmar que, na maior parte dos casos, a videoconferência resolve perfeitamente a marcha processual de forma econômica e racional sem nenhum prejuízo à ampla defesa. O juiz consegue ver e entender perfeitamente o preso do outro lado, só não sente o cheiro”, diz Marinho.
A lei que permite que ao magistrado ouvir as testemunhas e o réu por meio de videoconferência foi publicada em janeiro de 2009 e explicita que o depoimento do acusado por este meio deve ocorrer apenas de forma “excepcional”, quando houver risco de segurança, dificuldade de deslocamento devido à doença ou preocupação ou possibilidade de fuga quando tiver de ser levado à audiência, como integrantes de facções criminosas.
"O que acontece, na minha percepção, é que a videoconferência é um sistema novo ainda sendo deglutido pela comunidade jurídica e há muitas resistências com base em fundamentos doutrinários”
Valdir Marinho, juiz do Tribunal de Justiça. “Opto pela videoconferência em casos em que a presença do preso no fórum pode alterar a rotina de atendimento normal à população e para garantir a própria segurança das pessoas e do preso. Eu limito a escolta aos lugares onde eles já estão, sem risco de pegar trânsito ou haver risco de fuga”, afirma outra magistrada.
A defensora pública Vivian de Castro entende que o vídeo prejudica a defesa. “A Defensoria tem por praxe sempre questionar quando o juiz determina, pois é uma conversa que não cria um vínculo entre o defensor e o réu. O preso deixa de dar uma informação importante às vezes que poderia ajudar na sua defesa porque não confia, há dificuldade de se estabelecer uma relação”, salienta Vivian.
O defensor público Gustavo Junqueira, que atua na execução criminal, discorda dos magistrados, afirmando que o vídeo gera, sim, um distanciamento do réu com o juiz. “Não há posicionamento pacífico, tampouco uma posição institucional formada da Defensoria contra ou a favor das videoconferências. Na oitiva das testemunhas, o prejuízo é maior. Mas, no interrogatório do réu, tenho visão crítica e negativa no uso de videoconferência, porque acaba provocando um distanciamento do magistrado, que não pode perceber trejeitos do réu, acaba cerceando o preso ao total direito de fazer sua defesa ao juiz”, explica Junqueira.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional São Paulo, Marcos da Costa, questiona, além da redução da garantia do preso em se defender perante o vídeo, a dificuldade de se monitorar o que acontece do outro lado da câmera.
“O vídeo pode apresentar mudanças de áudio, cor ou luz, por exemplo. Pode mudar a fisionomia e dificultar o reconhecimento (por meio de videoconferência), pode haver distorções. Devido ao alto custo da escolta, a posição da OAB é de que o juiz pode ir à cadeia (e fazer a audiência presencial na penitenciária). É mais fácil e mais prático. Só que depende da disposição do magistrado de ir ao presídio e já ouve o preso lá. O gasto do estado é zero”, defende.
Escolta na região metropolitana
A SAP possui um grupo de agentes que assumiu, em fevereiro de 2014, a responsabilidade pela escolta na região metropolitana e capital, tentando tirar a PM da função, e com o objetivo de futuramento ampliar a atuação para o interior do estado.
Desde então, segundo Nerin Max, diretor do sindicato dos agentes de vigilância e escolta da SAP, policiais fariam na região metropolitana o transporte só em situações excepcionais, como presos perigosos. Mas não foi bem isso que aconteceu. Números obtidos pela Lei de Acesso mostram que a PM continua atuando: em 2014, a PM escoltou 10.943 presos na capital e região metropolitana. Em 2015, foram 4.514.
“O volume de escoltas em todo o estado é grande até por não haver efetivação das audiências por vídeoconferência. A questão principal não é a quantidade, mas sim a responsabilidade, que não é da PM, mas que ela assume por incopetência da SAP em expandir o projeto dos agentes de escolta e vigilância (chamados de AEVPs) com estrutura e eficiência. Aí sobrecarrega os agentes, que não contam com efetivo adequado, e sobrecarrega a PM, que não tem condições de atender o Judiciário e ao mesmo tempo manter a segurança nas cidades”, afirma Nerin.
Segundo ele, a unidade da SAP que cuida das escoltas da capital e região metropolitana conta com 800 homens – o necessário seriam 1.400, diz. Devido à sobrecarga, Nerin afirma que os agentes de escolta chegam a fazer 16 horas de trabalho por dia.
Questionada sobre o baixo usado das salas de videoconferência, a SAP informou que “a utilização depende exclusivamente das autoridades judiciárias, não cabendo qualquer tipo de providência pelo governo” para implementar a política.
Fonte: G1 SP
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