Era quase hora do almoço quando três crianças entraram no casebre de pau a pique, pulando a vala de esgoto na rua de terra. Vinham da escola, e as primeiras palavras dirigidas à avó na porta da cozinha foram queixas de fome. Era o segundo dia consecutivo em que os netos voltavam para casa reclamando de que não haviam recebido merenda no intervalo da aula.
A dois quilômetros do vilarejo no interior de Sergipe, o prefeito de Maruim, Jeferson Santana (PMDB), entrava no seu Toyota Corolla rumo ao Tribunal de Contas do Estado.
O órgão ameaça bloquear as contas da prefeitura por atrasos no pagamento de servidores.
Apesar de toda essa situação, o salário do prefeito, reeleito, foi fixado em R$ 30 mil para o próximo mandato (2017 a 2020). É mais do que ganha o presidente Michel Temer (R$ 27 mil). E o município sergipano de apenas 17 mil habitantes não está sozinho nessa farra.
O GLOBO identificou cidades em pelo menos quatro estados (Sergipe, Ceará, Rio Grande do Norte e Mato Grosso do Sul).
O GLOBO estava no casebre da família quando as crianças chegaram. Maria de Fátima contava que nem banheiro havia na casa. Para comer, somente ovos. Ela vive na Rua do Osso, no povoado São Vicente, há 21 anos à espera de casas populares num terreno ao lado, cuja obra está parada desde 2015.
A cidade vizinha, Santo Amaro das Brotas — ainda menor (12 mil habitantes) —, seguiu o mesmo caminho de Maruim. Lá, foi aprovado um salário de R$ 33 mil para o próximo governante.
No agreste sergipano, em Ribeirópolis, no mesmo mês (setembro) em que a prefeitura decretou situação de emergência por causa da seca, o Legislativo aprovou o novo salário para o prefeito que assumirá em 2017: R$ 30.386. A cidade tem 18 mil habitantes e quase um terço (31%) vive em situação de pobreza. Há famílias cuja renda é menor que um salário-mínimo, como as que vivem do lixão da cidade. A 15 minutos de carro da prefeitura, moradores do povoado Lagoa das Esperas não têm o básico, como água encanada. Para abastecer a casa, é preciso ir até uma caixa d’água comunitária.
O GLOBO passou a última quarta-feira na cidade, onde tentou falar com o prefeito João de Nega (PSB), mas ele não foi encontrado.
O promotor de Justiça de Ribeirópolis, Diego Gouveia Pessoa de Lima, classificou esses reajustes de imorais, mas explicou que eles são juridicamente legais:
— O que o Ministério Público pode fazer é tentar contestá-lo, questionando, por exemplo, por que foi acima da inflação? Analisar as contas do município e ver se está tudo em dia, se ele está cumprindo o limite de gasto com pessoal. Se não, podemos pedir a anulação — disse.
Fonte: NE Notícias/O Globo
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