Rebelião no presídio de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte. As facções criminosas são um problema além da segurança pública (Foto: Johannes MYBURGH/AFP)
O juiz Luis Gustavo Esteves Ferreira decretou na semana passada a prisão preventiva de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, considerado hoje o número dois na hierarquia do Primeiro Comando da Capital, o PCC, a maior facção criminosa do Brasil. No caso em questão, Gegê é acusado de ordenar um duplo homicídio. Preso por 17 anos ininterruptos em 14 cadeias do estado de São Paulo por vários crimes, Gegê foi libertado 20 dias antes, em 1º de fevereiro. Foi uma decisão rara, na qual outro juiz, Deyvison dos Reis, concordou com o pedido de um promotor de justiça pelo arquivamento de outro processo: Gegê era acusado de ordenar um homicídio. A decisão foi tomada com base no relato de uma testemunha, que mudou seu depoimento após ser ameaçada por advogadas dele. Ao ser libertado, Gegê forneceu um endereço falso e sumiu. A polícia terá de procurá-lo para cumprir a ordem de prisão – com a desvantagem de que ele é considerado o mais articulado integrante da cúpula da organização. A polícia suspeita que ele pode estar no Paraguai.
Ainda que tomada com todas as razões defensáveis, com base na convicção do julgador, a decisão colocou nas ruas um dos mais perigosos criminosos do país, num momento particularmente delicado. Desde o final do ano passado está em curso uma guerra entre as maiores facções criminosas do país, na qual a de Gegê está envolvida. O combate se concretizou em chacinas bárbaras em presídios pelo país. Em vários estados, devido à crise fiscal, a segurança pública tange perigosamente o limite da ineficiência, devido ao fato de os policiais estarem nas ruas com salários atrasados e sem as melhores condições de trabalho. Em alguns paira a sombra de greve. Se a polícia tem dificuldades para combater os bandidos organizados quando está tudo em ordem – que, ainda assim, significa policiais mal pagos e mal aparelhados –, que dirá no quadro atual de penúria, desânimo e até hostilidade com o Poder Público. Não poderia haver momento pior para o crime ganhar um reforço.
As autoridades devem ter consciência de que há uma expansão do crime organizado por diversas áreas. Não é mais uma questão meramente de segurança pública, a ser tratada por secretários da área. A questão extrapola o sistema prisional. Há anos as facções tomaram as cadeias; agora controlam o tráfico de drogas no Brasil e em países vizinhos e dominam territórios em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, nos quais impõem sua lei. Há indícios contundentes de que possuem ramificações em negócios com aparência legal, como forma de lavar o dinheiro proveniente do tráfico. (Importante lembrar que a capacidade de lavar dinheiro do crime é passo essencial para a sofisticação de organizações criminosas.)
Existem também sinais de que as facções começam a se infiltrar na política. Em Embu das Artes, na Grande São Paulo, o prefeito Ney Santos só tomou posse ao obter um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, depois de um mês foragido da Justiça: sua prisão fora determinada porque um inquérito da Polícia Civil o acusa de ligação com a organização criminosa paulista da qual Gegê faz parte. Santos é acusado de usar dinheiro proveniente do tráfico para se eleger. Sua defesa nega. A investigação precisa continuar, para dirimir definitivamente as dúvidas sobre a conduta de Santos, afinal é inadmissível que um criminoso conduza uma cidade. Há outros incômodos casos de políticos suspeitos de ligações com o crime organizado, no passado recente e no presente.
Facções se tornaram uma forma lucrativa e segura para os criminosos se associarem, ganharem poder e expandirem seu lucro. É um estágio da profissionalização dentro do crime. Na ausência de uma oposição firme e planejada do Estado, a tendência é que essas organizações continuem a crescer. Podem seguir o exemplo da Máfia na Itália, que conseguiu ter integrantes a defender seus interesses em todas as esferas do poder; do crime comum partiu para lucrar, inclusive, com a corrupção do Estado. O enraizamento das facções brasileiras precisa ser contido, não apenas nas ruas ou nas cadeias, mas em um sentido mais amplo, que exige coordenação e atenção constantes. A migração de suspeitos de ligação com o crime precisa ser contida pelos partidos. A Justiça precisa estar mais atenta à possibilidade de criminosos perigosos escaparem em brechas simples, como a obtida por Gegê do Mangue. As facções criminosas estão bem articuladas; o Estado precisa se articular melhor para conter seu avanço.
Fonte: Época
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