sexta-feira, 3 de agosto de 2018

CONHEÇAM NA ÍNTEGRA A DECISÃO DO JUIZ MANOEL COSTA NETO QUE DETERMINOU A SUSPENSÃO DO CONCURSO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SERGIPE.


O blog Espaço Militar teve acesso à decisão do Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de São Cristóvão, Manoel Costa Neto, que determinou a suspensão do concurso da Polícia Militar do Estado de Sergipe.

Confiram abaixo a decisão na íntegra:

Vistos et coetera.

Florival Marques Santos e Naiara Santos Porto, ambos qualificados nos autos, através de Advogado constituído, ajuizaram Ação Declaratória com Requerimento Liminar,em face do Estado de Sergipe e IBFG – Instituto Brasileiro de Formação e Capacitação, também qualificados, afirmando que se inscreveram no concurso público para provimento de vargas na Polícia Militar do Estado de Sergipe. Durante a realização da prova objetiva, surgiram relatos de existência de fraude, objetivando beneficiar alguns candidatos. Conforme notícia da imprensa, algumas pessoas foram presas pela Polícia. Um dos candidatos já havia conseguido realizar a prova, enquanto outro foi preso em flagrante. Apontaram a existência de uma quadrilha em âmbito nacional, tendo em vista que os candidatos recebiam toque no aparelho celular indicando a resposta correta, induzindo que haviam pessoas envolvidas que se encontravam externamente aos locais de provas, passavam informações privilegiadas, não apenas aos que foram presos. Concluíram que: (i) houve, ao menos, duas fraudes na realização do concurso público; (ii) existe uma quadrilha que atuou diretamente no dia da prova; (iii) existiu uma interferência externa no desempenho de candidatos – não apenas os que foram presos; (iv) o esquema, fatalmente, envolve servidores que integram o funcionalismo público e/ou funcionários da empresa responsável pela realização do concurso; (v) estão prejudicados princípios básicos que norteiam os concursos públicos, cabendo destacar: isonomia entre os candidatos, impessoalidade, idoneidade, moralidade, livre concorrência, legalidade, prescritos no artigo 37, da CF e na Lei Federal nº 8.666/1993. Apontaram ofensa aos princípios da Administração Pública. Requereram a concessão de liminar para suspender o concurso, sob pena de multa R$ 200.000,00(duzentos mil reais), proibindo o prosseguimento das demais etapas. No mérito, requereram a declaração de nulidade do ato administrativo de realização das provas do dia 1º de julho de 2018, assegurando nova aplicação com fiscalização adequada. Juntaram documentos.

É o breve relato. Decido.

Trata-se de Ação Anulatória de Ato Administrativo com Requerimento liminar, visando anulação da aplicação das provas do concurso da Polícia Militar do Estado de Sergipe.

No CPC/2015as tutelas provisórias estão dispostas da seguinte maneira:

Existe o gênero “Tutela Provisória”, prevista no Livro V da Parte Geral, dividida em Tutela Provisória de Urgência e Tutela Provisória de Evidência. As primeiras subdividem-se ainda em Tutela Provisória de Urgência Cautelar e Tutela Provisória de Urgência Antecipada. Já a Tutela de Evidência só existe na espécie Antecipada, dado o seu caráter “evidente”.

As Tutelas Provisórias de Urgência de Natureza Cautelar ou Antecipada poderão ser requeridas incidental ou antecedentemente, ocasião última que vem em substituição ao processo cautelar autônomo, que, embora não possua mais previsão expressa no CPC/2015, teve sua “essência” preservada nos Capítulos II e III do Título II, Livro V do Novo Código de Ritos.

Tratamos aqui do caso de requerimento de Tutela Provisória de Urgência de Natureza Antecipada, haja vista que os Autores pleitearam uma antecipação dos efeitos que só se efetivariam na prestação jurisdicional final.

O que se percebia é que no CPC/73, para a concessão de uma Tutela Antecipada, eram usados requisitos pautados em um juízo de probabilidade máxima, quais sejam, “Verossimilhança da alegação”, “Contundência da prova – Prova Inequívoca”e “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”.

Filio-me à idéia do mundialmente famoso jurista Nicola Framarino Dei MALATESTA. Acredito que, para a formação do Juízo de Probabilidade Máxima, presente na Tutela Antecipada, exigir-se-ia a concorrência da “Verossimilhança da alegação” e a “Contundência” da prova – e não Inequívoca (insofismável, sem equívocos), como está no versículo legal -; sem olvidar o perigo da demora; já para o Juízo de Probabilidade Média, própria da Tutelar Cautelar, bastantes a “fumaça do bom direito” e também o “perigo da demora”.

Com a vigência do CPC/2015, os requisitos para concessão de Tutelas Provisórias de Urgência, sejam Cautelares,sejam Antecipadas,foram apenas textualmente unificados, passando a ser os seguintes: “probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.” A despeito do texto legal, para a concessão da tutela Antecipada o magistrado deve ainda nortear-se pelo juízo de probabilidade máxima, tendo como balizadores os antigos requisitos amplamente conhecidos da “verossimilhança das alegações” e “prova robusta”.

O requisito da probabilidade já foi muito bem analisado por Cândido Rangel Dinamarco:

“Probabilidade é a situação decorrente da preponderância dos motivos convergentes à aceitação de determinada proposição, sobre os motivos divergentes. As afirmativas pesando mais sobre o espírito da pessoa, o fato é provável; pesando mais as negativas, ele é improvável (Malatesta).

A probabilidade, assim conceituada, é menos que a certeza, porque lá os motivos divergentes não ficam afastados, mas somente suplantados; e é mais que a credibilidade, ou verossimilhança, pela qual na mente do observador os motivos convergentes e os divergentes comparecem em situação de equivalência e, se o espírito não se anima a afirmar, também não ousa negar. O grau dessa probabilidade será apreciado pelo Juiz, prudentemente e atento à gravidade da medida a conceder” (A Reforma do Código de Processo Civil, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 145).

Não se trata aqui de desrespeito ao comando legal (art. 300 do CPC). Não poderia o julgador conceder a antecipação dos efeitos da prestação jurisdicional final com fundamento em requisitos rasos como os utilizados no juízo de probabilidade média (fumaça do bom direito e perigo da demora), sob pena de antecipá-los sem plausibilidade suficiente, sobretudo, em situação de possível irreversibilidade.

Em face da urgência da medida, evidentemente não é possível ao Julgador o exame pleno do direito material invocado pelo autor, até porque tal questão será analisada quando do julgamento do mérito, restando a este, apenas, uma rápida avaliação quanto a uma provável existência de um direito. No entanto, há de se presenciar a efetiva existência do bom direito invocado, posto que a decisão do Juiz não pode e não deve ser baseada em frágeis argumentações, ainda mais quando se tratar de Tutelas Provisórias de Urgência Antecipatórias.

In casu, o cerne da questão cinge-se às supostas ocorrências de fraudes no concurso da Polícia Militar do Estado de Sergipe, durante a aplicação da prova objetiva.

Preciso então, averiguar a existência de prova robusta, a verossimilhança do alegado, assim como do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Fora expositado na proemial, como verossimilhança do alegado, a informação de que duas pessoas foram presas por fraudar o concurso da Policia Militar do Estado de Sergipe, durante a realização da prova objetiva. Tais pessoas seriam beneficiadas pela atuação de uma organização criminosa com atuação em todo território nacional.

Quanto ao requisito específico de ''fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação'', ou seja, o periculum in mora, vislumbro a necessidade de se tomar uma medida imediata, como forma de garantir a lisura, segurança, publicidade igualdade de condições para a aplicação do certame, impedindo que o sentimento de fraude e insegurança persista.

O Estado exige lisura dos Candidatos. "Candidato" significa vestido de branco, cândido, puro. Vem do Latim candidatus, isto é, vestido de branco (candidus), cândido (= sem mancha), porque os candidatos tinham que apresentar uma vida imaculada. No dicionário: cândido, candidez, candura, candor – significado: puro, sincero, inocente.

Também se exige do Estado um comportamento CÂNDIDO!

Os Autores realizaram as provas objetivas. Após a aplicação, perceberam as afirmações de ocorrência de fraude. Reportagens noticiaram em âmbito nacional a prisão de dois candidatos que recebiam informações privilegiadas através de celular.

As informações descritas nestes autos tornaram-se públicas e notórias, veiculadas largamente na Impresa de todo o Estado.

A própria Secretaria de Segurança Pública do Estado de Sergipe afirmou a ocorrência de prisão de duas pessoas que recebiam as informações através do celular. A mesma nota informou que se trata de uma quadrilha de âmbito nacional e que, apesar da prisão dos dois candidatos, todos os envolvidos foram identificados e que a banca examinadora estaria ciente, não havendo razão para cancelamento da aplicação da prova objetiva.

De acordo com as informações, um dos candidatos já havia realizado a prova; o outro foi preso em flagrante após o celular tocar e ser levado para realização de exame de raio-x. A prisão em flagrante, significa dizer que, a SSP/SE não detinha controle algum sobre a fraude, e tão pouco havia monitoramento. Está claro que houve o estado de flagrância, as prisões não decorreram de qualquer
procedimento investigativo apriorístico.

Ora, o Estado Policial reconheceu INDÍCIOS FORTÍSSIMOS da suposta fraude, porque, para a Prisão em Flagrante Delito, privando o cidadão do direito à liberdade de ir e vir, indispensável a presença de tais elementos; isto na medida em que deteve provisoriamente os dois cidadãos envolvidos.

É redundante informar que as prisões dos candidatos não faz retomar a garantia, segurança e lisura do concurso público. Os candidatos presos eram auxiliados externamente, e tais pessoas não foram presas, e não é possível mensurar o tamanho da fraude, tão pouco a existência de demais candidatos que teriam sido beneficiados e não foram flagranteados.

A SSP/SE afirmou categoricamente a existência de uma quadrilha de âmbito nacional, é bem provável e razoável que o esquema não tenha beneficiado apenas os dois candidatos presos. A investigação precisa se ampliar ao infinito.

Pouco provável que uma organização criminosa atuaria em um Estado da Federação a custo de apenas dois candidatos.

Nesta senda, é preciso transmitir segurança para todos os participantes, estamos a falar de um concurso público para preenchimento de vagas do quadro da Polícia Militar do Estado de Sergipe, ou seja, uma força de segurança, aqueles que devem manter a integridade, lisura, segurança e funcionamento do aparato estatal.

Ainda que, procedimento investigativo instaurado a posteriori venha a identificar mais envolvidos ou todos os envolvidos, sejam eles os externos transmissores da informação, sejam os candidatos receptores, dificilmente será restaurada a integridade, segurança e lisura do procedimento da aplicação da prova objetiva.

Inúmeras questões externas a efetividade da investigação, colocam em dúvida a realização da etapa. A SSP/SE certamente chegará a todos os envolvi como sói acontecer, afinal, contamos com excelentes profissionais, contudo, o sucesso da investigação não restabelecerá a nulidade da etapa do concurso em virtude da fraude já praticada, tanto pelos indivíduos já identificados, como os que porventura venham a ser descobertos.

Não há conhecimento sobre a extensão da fraude flagrada; quantos e quais são os envolvidos. Certamente não são apenas os dois candidatos presos, estes são apenas os contratantes já identificados, mas é preciso saber quem são os demais contratantes e contratados. A SSP/SE afirmou que informou a banca examinadora, ora, os demais candidatos honestos não podem simplesmente acreditar que tudo foi corrigido com tais prisões em flagrante.

Não está claro como as respostas foram obtidas, como houve vazamento da prova, como havia ciência prévia das perguntas e respostas. É possível o envolvimento de prepostos dos Réus, e tudo precisa ser esclarecido no âmbito criminal, mas, ainda assim, não restaurará a credibilidade da etapa já realizada.

Permitir a manutenção da etapa, aprioristicamente eivada de vícios, exige a crença de que deveríamos confiar absolutamente nas investigações e de que todos os envolvidos e sem nenhuma exclusão, seriam identificados e retirados do certame.

Ora, “À mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita”, “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.

As investigações, por mais sucesso que obtenham, não poderão restaurar a aparência de honestidade e lisura da aplicação da prova objetiva do concurso público da Polícia Militar do Estado de Sergipe, a integridade do certame foi afetada e só pode ser restaurada com a realização de uma nova prova com a devida fiscalização.

Acaso mantida a etapa, é induvidoso que o certamente carregará a mácula de que foi fraudado. Os candidatos e a a sociedade não estarão seguros de que o concurso não foi uma grande fraude.

Outrossim, é preciso restabelecer a ordem e segurança, o concurso prosseguirá com a realização de novas etapas, assim, a medida excepcional de suspensão não pode esperar o julgamento final do pedido, sob pena de criar frustrações posteriores e maiores transtornos.

Por outro lado, não vislumbro periculum in mora inverso, a suspensão da etapa com a realização de uma nova, não provocará dano objetivo algum, seja para os réus, seja para a esmagadora maioria dos
candidatos. Mesmo levando-se em consideração os custos envolvidos com a realização de um novo procedimento, o prejuízo financeiro será infinitamente menor do que o prejuízo imaterial decorrente da insegurança provocada pelos réus ao não exercerem efetiva fiscalização.

É importante destacar, que a ocorrência de tais fatos, são de responsabilidade exclusiva dos réus, assim, os novos custos devem ser suportado pelos réus, em virtude da sua atitude omissa ou ineficaz.
O princípio da moralidade administrativa implica na observância de padrões éticos e legais, ou seja, impõe regras para os agentes públicos desenvolverem. Tal princípio se encontra no Art. 37, caput da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)

Esse princípio, e os demais tipificados no citado Artigo, resguardam o interesse público na tutela dos bens da coletividade, exigindo que o agente público paute sua conduta por padrões éticos que têm por fim último alcançar a consecução do bem comum, independentemente da esfera de poder ou do nível
político-administrativo da Federação em que atue. As restrições impostas são autoaplicáveis, por trazerem em si carga de normatividade apta a produzir efeitos jurídicos, permitindo, em conseqüência, ao Judiciário exercer o controle dos atos que possam, eventualmente, agredir os valores da Constituição Federal.

Atualmente existem três sistemas que buscam compelir quem não cumpre a sua obrigação legal de fazer in natura.

a) A Primeira, a Tutela Ressarcitória, oriunda do Direito Francês, que faz converter a inexecução culposa de obrigação em Perdas e Danos, o que é muito pouco e estéril, ainda constante do Código Civil. Resta de tudo mero ressarcimento...

b) A Segunda, também derivada do Direito Francês, nominada como Tutela Específica, em superação àquela primeira, elegeu a astreinte como meio de coerção, buscando o cumprimento da obrigação consoante foi contratada. O problema desta via é que, diante do chamado “inadimplemento absoluto”, que não permite a satisfação após o termo, ou a ausência de patrimônio do Devedor, a multa processual é inócua, por que gera mera Vitória Pírrica.

c) A Terceira via, que vem sendo paralelamente desenvolvida pelo Direito Germânico e Inglês(common law), já busca alternativas de coerção mais eficazes, diante do ato de Indignidade da pessoa obrigada, como o Sequestro em contas públicas, quando a inadimplência for do Poder Público; a constrição de 30% do Salário (margem consignável) de contumazes devedores particulares, relativizando o Princípio da Intangibilidade Salarial; ou até com a Prisão Civil, a exemplo do que acontece com a prestação de alimentos.

O comtempt of court do comom law, afasta a prisão imediata como meio de coerção, mas ordena o enquadramento do inadimplente em flagrante delito por Crime de Desobediência ou Desacato. Este deve ser o nosso futuro, para conferir Eficiência a ordem judicial, porque a resistência que este sistema ainda encontra no nosso Direito é ante a falta de tipo jurídico-penal específico, o que não obsta o enquadramento em qualquer daqueles genéricos.

A nova ordem Constitucional transmudou filosoficamente as características do Estado Contemporâneo Democrático, efetivando o: compromisso concreto com a Função Social; Caráter Intervencionista; e Ordem Jurídica Legítima com respeito à liberdade de participação.

Ocorreu o abandono conceitual do antigo ESTADO LIBERAL que era individualista, patrimonialista, ausente do controle das relações privadas; ausente no controle da família, valorizando a autonomia ampla da vontade e liberdade de contratar; respeitando irrestritamente a força obrigatória dos contratos; e fazendo sacrossanto o direito de propriedade privada.

A Transmudação para o ESTADO SOCIAL o fez pluralista; socialista; respeitador da dignidade humana; passando a ter controle sobre as relações privadas; com limitação da autonomia da vontade; limitação da liberdade de contratar; observando a função social dos contratos; e a função social da propriedade privada.

O novo Estado Social-Intervencionista não reflete apenas na seara do direito material, mas provoca a mudança de postura do Poder Judiciário diante do Processo. Este deixa de ser apenas um mero instrumento de composição de litígios particulares e passa a ser um “instrumento de massas”.

Ex positis, CONCEDO a liminar pretendida para o fim de suspender os efeitos do ato administrativo, correspondente a realização da prova objetiva do concurso da Polícia Militar do Estado de Sergipe, impossibilitando o prosseguimento do concurso com a realização de novas etapas, e, determinando, ainda, a realização de uma nova prova objetiva, sob pena de multa única de R$ 100.000,00(cem mil reais), sem prejuízo de majoração em caso de recalcitrância.

Requisitem-se da Secretaria de Segurança Pública, por Ofício, os elementos do Auto de Prisão em Flagrante/Inquérito Policial já praticados, sendo necessário, resguardando-se quanto aos riscos da publicização.

Intimem-se em regime de urgência.

Citem-se por Mandado.

I.

Manoel Costa Neto
Juiz(a) de 1ª Vara Cível de São Cristóvão, em 02/08/2018, às 13:42

Matéria do blog Espaço Militar

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