O coronel RR da polícia militar, Henrique Alves Rocha, parece não ter gostado da proposta apresentada pelo deputado Gilmar Carvalho que propõe que a extinção do Darf da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, advertindo que o comando é da Secretaria de Segurança Pública.
Para o coronel Rocha, “é necessário considerar quais reais motivos estão por trás desta ideia. Será tão somente se apropriar dos recursos destinados às Corporações Militares, pois está faltando em outro local por conta de gestão?”, disse.
Veja na íntegra o que diz o coronel:
Em discurso na Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe – ALESE o Deputado Gilmar Carvalho defendeu uma proposta no mínimo inusitada como solução para resolver os problemas financeiros associados à pasta da segurança pública.
A proposta se resume na extinção dos Departamentos de Administração Financeira – DAFs da Polícia Militar do Estado de Sergipe – PMSE e do Corpo de Bombeiros Militar de Sergipe – CBMSE. Além disto, sugeriu que os recursos que são arrecadados pelo Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN, destinados à Segurança Pública, fossem direcionados integralmente para a Secretaria de Estado da Segurança Pública – SSP e repartidos com a Secretaria de Estado da Justiça e de Defesa do Consumidor – SEJUC.
É preciso esclarecer que os recursos do DETRAN destinados à Segurança Pública compõem o chamado Fundo Especial para Segurança Pública – FUNESP, criado pela Lei n.º 3.218 de 1992. A lei de criação do fundo definiu em seu art. 2º qual a finalidade do mesmo. Vejamos:
Art. 2º – O Fundo Especial para Segurança Pública – FUNESP, tem por finalidade proporcionar recursos financeiros para promover e manter a operacionalização e modernização do funcionamento e atuação, bem como a renovação e ampliação do equipamento material, dos órgãos e entidades que integram a estrutura organizacional da Secretaria de Estado da Segurança Pública.
A essência da criação do fundo está na necessidade de promover e manter os órgãos e entidades que compõem a Secretaria de Estado da Segurança Pública, não cabendo, portanto, a inserção que qualquer outro segmento da administração pública, principalmente se considerarmos que a SEJUC administra dois fundos que mantém sua estrutura como será evidenciado adiante.
Segundo a referida lei, o Fundo deve ter como fonte de recursos principais o disposto em seu art. 3º, a saber:
Art.3º – Constituirão recursos do FUNDESP as receitas provenientes de:
I – Dotação anual consignada no Orçamento do Estado e créditos adicionais que lhe forem destinados;
II – Taxas pelo exercício do poder de polícia ou pela utilização de serviços públicos, nas áreas de competência da Secretaria de Estado da Segurança Pública, que lhe forem destinadas pelo Governo Estadual;
III – Multas por infrações à legislação administrativo-policial;
IV – Uma alíquota, em percentual a ser definido por Decreto do Poder Executivo, sobre o valor da arrecadação de taxas diversas e de serviços de inspeção e fiscalização, executados pelo Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN, e de taxas, multas e serviços de inspeção e fiscalização realizados pelo Corpo de Bombeiros da Polícia Militar de Estado.
Atualmente, percebe-se que grande parte dos recursos do fundo são oriundos do DETRAN, uma vez que o Estado de Sergipe não destina mais recursos do seu orçamento para a composição do FUNESP. Além disto, podemos considerar que a arrecadação do Departamento de Trânsito só é levada a efeito por conta do exercício do poder de polícia da administração cujo poder fiscalizador está em grande parte concentrado nas atividades de policiamento de trânsito da PMSE. Portanto, faz todo sentido que a Polícia Militar receba parte desses recursos oriundos do DETRAN.
Além disso, em 15 de janeiro de 2002 foi editada a Lei n.º 4.500 que dispunha sobre normas de organização, atividades e funcionamento da Polícia Militar do Estado de Sergipe. Em seu art. 1º podemos ver a importância conferida à instituição militar nas atividades de segurança pública. Vejamos:
Art. 1º. A Polícia Militar do Estado de Sergipe – PM/SE, organizada de acordo com a Lei nº 3.669, de 07 de novembro de 1995, é subordinada diretamente ao Governador do Estado, vinculada, porém, operacionalmente, à estrutura orgânico-administrativa da Secretaria de Estado da Segurança Pública.
Parágrafo único. Para fins de preservação da ordem pública, a Polícia Militar do Estado será sujeita à orientação, planejamento e controle operacionais da Secretaria de Estado da Segurança Pública. (SERGIPE, 2002)
Neste extrato verifica-se a forma inovadora como o governo do estado passou a tratar a polícia militar sergipana ao elevá-la a categoria de órgão de primeira linha da administração direta, apesar de estar subordinada operacionalmente à Secretaria de Segurança Pública – SSP.
Ao ascender à condição de órgão de primeiro nível da administração pública o representante da PMSE passou a usufruir de alguns benefícios como o de tratar diretamente com o governador as questões administrativas da instituição. Esta é a previsão disposta no artigo 2º e seu parágrafo único da Lei nº 4.500:
Art. 2º. A administração, o comando-geral, e o emprego ou utilização da Corporação são da competência e responsabilidade do Comandante-Geral da Polícia Militar do Estado de Sergipe, o qual será nomeado conforme o art. 7º, da Lei nº 3.669, de 07 de novembro de 1995.
Parágrafo único. No trato das questões administrativas da Corporação, cabe ao Comandante-Geral da Policia Militar despachar diretamente com o Governador do Estado, acompanhado ou não do Secretário de Estado da Segurança Pública. (SERGIPE, 2002)
O item de maior destaque é o artigo 4º da lei nº 4.500, tendo em vista que dá a autonomia financeira e orçamentária a PMSE, transformando a instituição de unidade orçamentária ligada à SSP em Unidade Administrativa com dotações próprias, aumentando, assim, a capacidade de autogestão da organização. Fato este que se traduz em maior agilidade e rapidez nas ações “interna corporis” que servirão de suporte a sua atividade fim que é a promoção de segurança pública.
Art. 4º. A Polícia Militar do Estado de Sergipe deixa de ser uma unidade orçamentária e financeiramente vinculada à Secretaria de Estado da Segurança Pública – SSP, como parte da sua estrutura organizacional, e passa a ser uma Unidade Administrativa, integrante da Administração Direta do Poder Executivo Estadual, com dotações orçamentárias próprias e autonomia financeira, da parte do Orçamento para o Poder Executivo, dentro do Orçamento Geral do Estado. (SERGIPE, 2002)
É importante frisar que além de conceder autonomia, também houve uma preocupação, do governo à época, com os meios para financiar as ações e projetos desenvolvidos pela polícia militar. Por esta razão existe no corpo desta legislação uma autorização para o repasse de 45% (quarenta e cinco por cento) dos recursos do Fundo Especial para a Segurança Pública – FUNESP diretamente a Polícia Militar do Estado de Sergipe. É o que dispõe o artigo 7º e seu parágrafo único da Lei nº 4.500:
Art. 7º. Dos recursos do Fundo Especial para a Segurança Pública – FUNESP, criado pela Lei nº 3.218, de 11 de setembro de 1992, 45% (quarenta cinco por cento) devem ser repassados diretamente à Polícia Militar do Estado de Sergipe, para gestão e utilização de forma direta pela Corporação.
Parágrafo único. A gestão e utilização de recursos do FUNESP pela Polícia Militar do Estado, bem como a respectiva execução financeira e correspondente prestação de contas, devem observar e estar estritamente de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Diretor do FUNESP e com as normas, exigências e requisitos fixados na Lei nº 3.218, de 11 de setembro de 1992, que criou o mesmo Fundo. (SERGIPE, 2002)
Portanto, fica evidente que o propósito do governo à época da edição desta lei foi dotar a PMSE de autonomia financeira com o propósito de garantir rapidez na implementação das ações de policiamento, garantindo maior efetividade aos resultados pretendidos.
Podemos perceber que o propósito da lei de criação de autonomia financeira da PMSE foi torná-la mais rápida na solução dos problemas afetos a sua competência e por isso foi usado o princípio da desconcentração administrativa, dando à instituição militar a capacidade de gerir seus recursos. E isso faz muito sentido, pois a desconcentração administrativa vem sendo largamente utilizada pela administração pública em todos os níveis (municipal, estadual e federal) como instrumento para garantir agilidade e efetividade organizacional. E como exemplo desta técnica administrativa pode-se citar as diversas secretarias do estado que movimentam um volume bem menor de recursos que a PMSE e, mesmo assim, possuem DAF.
O deputado se equivoca ao achar que extinguindo a capacidade da instituição de gerir suas finanças conseguirá os recursos necessários para o aumento do ticket alimentação ou superará as dificuldades financeiras associadas à Segurança Pública. O problema não é de gestão, ao contrário, depende do repasse de recursos adequados para fazer frente à demanda de produtos e serviços indispensáveis ao cumprimento da missão precípua da Corporação.
Isto tanto é verdade que a PMSE tem sido destaque por sucessivos anos na adequada gestão de seu orçamento. Figurando em entre os três primeiros lugares desde 2014 no índice de qualidade da gestão orçamentária mantido pela SEPLAG. A SSP, ao contrário, nunca obteve qualificação melhor que a PMSE . Será que absorver o DAF das Corporações Militares vai torná-la melhor? Será que vai haver uma melhora, considerando que a demanda de trabalho vai aumentar substancialmente e o efetivo em tese permaneceria o mesmo? E se a SSP pretender absorver o efetivo empregado nas corporações militares para atender o volume de trabalho qual o sentido da extinção?
Outro equívoco que o deputado comete é desconhecer que a SEJUC já administra dois fundos que direcionam recursos para a manutenção das atividades da secretaria, são eles: O Fundo Penitenciário do Estado de Sergipe que no ano de 2018 teve uma previsão de R$ 23.762.000,00 (vinte e três milhões, setecentos e sessenta e dois de reais) e o Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor com um montante de receitas para o ano de 2018 no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
Por fim, é necessário considerar quais reais motivos estão por trás desta ideia. Será tão somente se apropriar dos recursos destinados às Corporações Militares, pois está faltando em outro local por conta de gestão? Não seria apenas uma questão de centralização de poder para deixar a instituição numa condição ainda maior de subordinação, sem levar em consideração que o efeito colateral pode ser a incapacidade da organização militar responder adequadamente e no tempo certo as demandas da sociedade? A resposta só o tempo dirá.
* Henrique Alves da Rocha é Coronel RR PM e Doutor em Ciências Policiais
Fonte: Faxaju
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