André Biernath - Da BBC News Brasil em São Paulo
Covid-19: é preciso medir a taxa de anticorpos após a vacinação? Especialistas dizem que não
Nas últimas semanas, profissionais da saúde observaram um aumento considerável na busca por testes que avaliam a presença de anticorpos contra o coronavírus no organismo.
Apesar de não existirem estatísticas oficiais sobre o assunto, acredita-se que o aumento do interesse por esses exames esteja diretamente relacionado ao avanço da vacinação no país .
Após tomarem as duas doses do imunizante, as pessoas querem saber se estão efetivamente protegidas contra a Covid-19 .
Mas há um problema sério nisso: os testes disponíveis no mercado atualmente não são capazes de fornecer essa resposta de forma satisfatória.
E isso sem contar que a medição de anticorpos pós-vacinais não muda em nada as recomendações de cuidados e prevenção durante a pandemia.
O assunto evoluiu a tal ponto que a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) precisou emitir um parecer técnico oficial em que não recomenda a realização desses exames depois da imunização.
"Avaliações laboratoriais desse tipo não vão esclarecer nada e podem causar confusão. Quando o resultado dá negativo, a pessoa pode acreditar que a vacina não funcionou nela. Se der positivo, há o risco de abandono das medidas de proteção", explica a pediatra Flávia Bravo, diretora da SBIm.
"E, na realidade, nenhuma dessas interpretações está correta", completa.
"Esses testes são muito novos e nós não temos ainda informação suficiente sobre qual é a real aplicabilidade deles", concorda o patologista clínico Carlos Eduardo dos Santos Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial .
Mas como os especialistas chegaram nesse posicionamento? E por que os exames de anticorpos podem mais atrapalhar que ajudar?
Para responder a essas questões, é preciso antes desvendar alguns detalhes do misterioso e fascinante mundo da imunidade.
Sempre alerta
Vírus, bactérias, picadas de inseto, farpas… Todo corpo estranho que invade nosso organismo logo é identificado (e, se necessário, atacado) por um time de células que integram o sistema imunológico.
Falamos aqui dos linfócitos, monócitos, neutrófilos, basófilos, eosinófilos, macrófagos e outras unidades responsáveis por proteger o corpo contra as mais variadas ameaças.
De forma bastante resumida, essa equipe possui três formas de atuação principais.
A primeira delas é a chamada imunidade inata.
"Parte do sistema de defesa tem essa capacidade de agir rapidamente, em questão de minutos ou poucas horas", ensina o médico João Viola, presidente do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia.
Essa resposta inata pode ser facilmente observada quando a gente toma uma picada de pernilongo na pele: a região fica ligeiramente inchada, avermelhada e começa a coçar.
Isso significa que algumas células estão agindo ali, em tempo real, para identificar e combater aquelas substâncias que o mosquito injeta ao sugar nosso sangue.
Prazo estendido
Os outros dois tipos de imunidade demoram um pouquinho mais para surtir resultado.
Tratam-se das respostas humoral e celular. Ambas são mediadas por um tipo de célula importantíssima do sistema de defesa: os linfócitos.
"A resposta humoral é feita pelos linfócitos B, que entram em contato com partes do agente patogênico e, após dez a 20 dias, desenvolvem anticorpos conhecidos como IgA, IgG e IgM", detalha Viola, que também é pesquisador do Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Rio de Janeiro.
Já a resposta celular depende dos linfócitos T, que também demoram de duas a três semanas para "aprender a lidar" com os agentes infecciosos.
Eles são responsáveis por coordenar todo um batalhão de outras células que contra-atacam e destroem os vírus, bactérias, fungos, protozoários ou outros vilões que estão causando problema em alguma parte do corpo
Da teoria à prática
Vale dizer que esse mesmo raciocínio se aplica às vacinas: elas trazem informações (como vírus inteiros inativados ou pedacinhos deles, por exemplo) capazes de suscitar toda essa reação imunológica sem causar a doença em si.
Com isso, o sistema de defesa já constitui um verdadeiro arsenal de anticorpos e células "bem treinadas" para saber como reagir quando for exposto a um perigo real.
É justamente isso que ocorre com os imunizantes desenvolvidos contra a Covid-19: por meio de diferentes plataformas tecnológicas e mecanismos de ação, eles conseguem ativar uma resposta contra o coronavírus que impede a infecção (ou ao menos as suas formas mais graves).
As vacinas aprovadas foram avaliadas em dezenas de milhares de voluntários e se mostraram seguras e eficazes.
E isso nos faz voltar à pergunta lá do início da reportagem: diante de todo esse conhecimento, qual seria a utilidade dos testes que medem a produção de anticorpos após a vacinação
Santos explica que os exames já disponíveis são feitos a partir da coleta de uma amostra de sangue.
"Eles mensuram a quantidade de anticorpos neutralizantes ou outros anticorpos que agem especificamente em alguma parte do coronavírus, como a proteína S, que fica na superfície do agente infeccioso", diz o patologista clínico.
Ou seja: esses exames medem apenas uma parte muito pequena e específica da resposta imunológica humoral.
Com isso, eles não mostram toda a realidade do que é desencadeado após a vacinação, algo muito mais complexo e diverso.
Fonte: https://saude.ig.com.br/2021-05-01/medicao-de-anticorpos-vacinacao-covid-19.html
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