– Da redemocratização para cá tivemos dois processos de impeachment de Presidentes da República;
– Entre os anos de 2000 e 2007, nada mais nada menos que 623 detentores de mandatos eletivos foram cassados, sendo 4 governadores e vice-governadores. Registre-se ainda que, nas quatro últimas eleições, foram registrados processos de cassação nos 26 Estados da Federação, além do Distrito Federal, segundo dados do M.C.C.E. – Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral;
– Já entre 2012 e 2016, o Brasil teve um Prefeito retirado do cargo a cada 8 dias, em 5% de nossos municípios tivemos um “terceiro turno” por conseguinte, com novas 279 eleições naquele período.
Não bastassem estes assombrosos números, 1/3 dos atuais membros do Congresso Nacional são réus em ações de improbidade administrativa, sendo 160 deputados federais e 38 senadores.
E como conceber 32 ideologias políticas?, já que é este o número de partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, e há tantos outros pendentes de registro, inclusive um certo Partido Corinthiano Brasileiro?!
“Tudo isto é fado, tudo isto é muito triste”, como diriam nossos patrícios, e faz-se premente, portanto, além de mais consciência política de nosso povo, uma ampla e profunda reforma política. Inegável que movimentos legislativos alvissareiros tem sido observados, em que pese tímidos, como, por exemplo, o fim das coligações nas eleições proporcionais, a cláusula de desempenho, as novéis federações partidárias, mudanças que são muito bem-vindas, eis que com o fito de fortalecer os programas e a fidelidade partidária, colocando à debalde as mal sinadas práticas fisiologistas.
D´outra banda, alguns pontos na legislação eleitoral são passíveis de crítica, a meu pesar, como, v.g., auditagens por demasiado naquilo que o que candidato pode e quando deve dizer regulando, na margem oposta, aquilo que o eleitor pode ouvir.
Diante deste cenário assaz tenebroso, o Judiciário, mormente o Eleitoral, cada vez mais tem sido instado a intervir, porém, é preciso que os doutos magistrados também deem o seu contributo para a mudança neste estado de coisas, conhecendo e respeitando os contornos desta ingerência, atuando sempre nos flancos, e apenas e tão somente “colaborando” no processo de formação da vontade popular, sabido que não há democracia sem voto, sem eleitor, não sendo a Justiça Eleitoral um votante privilegiado.
A arena política é o locus natural, adequado e legítimo para os players pelejarem pelos sufrágios de seus eleitores sempre orientados pela normalidade e legitimidade que deve reger todo o processo eleitoral. Ambientados neste quadrante é que aqueles que fazem o Judiciário Eleitoral devem vagar, dosando a mão para nem julgar o eleitor como alguém vulnerável, infantilizado ou que careça de uma espécie de curatela, nem tampouco criminalizar o político; e, mais importante, cientes que o protagonista de todo este processo é o primeiro.
A regra deve ser esta; evidente, no entanto, que em situações nas quais a legislação for mal ferida, como sói ocorrer por práticas abusivas de quaisquer dos disputantes, o Judiciário não só pode como deve ser acionado; quem ganha ou perde numa eleição é a Justiça quando não é feita, é a soberania popular quando numericamente manifestada nas urnas passa a ser utópica, contudo, que esta seja uma exceção, tendo-se em mente que a vontade popular deve ser sempre respeitada, e apenas incomumente contrariada, para o bem de nossa democracia participativa.
Insisto no império da lei, e longe de mim criticar as decisões justas e imparciais de nossos magistrados, todavia, uma eventual judicialização das eleições faz pairar o fantasma do ativismo judicial, e causa arrepios pensar que possamos nos fazer de rogados ao silêncio ensurdecedor que ecoa das urnas.
A festejada Lei de Ficha Limpa promoveu importante alteração legislativa ao passar a exigir não mais a proporcionalidade senão a gravidade da conduta, a qual, doravante, passou a importar mais que o resultado. A questão processual foi, destarte, resolvida, mas não tornou menos excepcional a desconstituição do resultado do pleito, que deve passar ao largo de excessivos moralismos eleitorais.
Gravidade é antônimo de bagatela, de sorte que o número de cidadãos atingidos deve ser levado em conta em comparação com o contingente, além, de certo, o quociente eleitoral exigido para a eleição, ou, ainda, a diferença de votos entre os colocados nas eleições majoritárias.
Cassações de mandato devem ser a ultima ratio, anular eleições não pode ser algo banal, a democracia infere que a vontade da maioria tenha prevalência, governos são escolhidos pelo povo não por juízes contra majoritariamente insultando a sacrossanta soberania popular, “ao argumento retórico e fictício de preservá-la”, nas precisas palavras de Ruy Espíndola.
Ao Judiciário Eleitoral deve caber máxima cautela, autocontenção para atuar neste campo que deve ser sempre simétrico e nada inclinado; é saber que a democracia exige dele que não invada o espaço da política. É sofismático imaginar que um sistema de justiça eficaz ou que proteja valores constitucionais-eleitorais tenha por régua o número de candidatos que torna inelegíveis.
Os organismos de governança eleitoral verdadeiramente triunfarão “quando passem a enfrentar a metade dos processos com pedidos impugnativos que, atualmente, inundam os vastos espaços dos seus escaninhos”, nas ordinariamente lúcidas palavras do mestre Frederico Alvim.
Que chegue logo o dia em que não mais tenhamos “terceiro turno” em nossos pleitos, que a população se desintonize do Judiciário Eleitoral com a certeza que a sua vontade livre e desimpedida prevaleceu, para a salvaguarda de nossa democracia.
Que assim seja!
Artigo de Peterson Almeida Barbosa que é Promotor de Justiça, Mestre em Direitos Humanos, Especialista em Direito Eleitoral, Coordenador de Direito Eleitoral da Escola Superior do MP-SE, membro da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política, autor de livros e artigos jurídicos. Contato: petersonab@hotmail.com.
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