A proposta de Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares (LOPM) em discussão no Senado tem dividido as equipes de diferentes ministérios do governo Lula (PT).
O que aconteceu
Integrantes dos ministérios dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente se preocupam com texto. Na primeira pasta, o temor é que aprovação gere retrocessos na atuação das forças ligada ao tema. Já na segunda, o incômodo é com a inclusão das forças no Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente). A mudança permitiria que PMs acessassem recursos do Fundo Amazônia, por exemplo.
Os ministérios da Justiça e das Relações Institucionais e a Casa Civil têm apoiadores da proposta. A cúpula do governo Lula e órgãos como a Secretaria de Acesso a Justiça e a Secretaria Nacional de Segurança veem a LOPM como uma chance de agradar o eleitorado policial, mais identificado com o bolsonarismo.
O Ministério da Justiça informou que "mantém permanente diálogo" com casas parlamentares. Segundo o órgão, a Câmara e o Senado são "autônomos nas suas deliberações".
Uma nota técnica do Meio Ambiente informa que o projeto está "em desacordo com a Política Nacional do Meio Ambiente" e "se choca com a definição de competências dentro do Sisnama". "O atual modelo possibilita que cada estado adapte a participação da Polícia Militar e dos Bombeiros no apoio às ações ambientais conforme o contexto local", diz o documento.
"O projeto, ao propor a inserção de instituições militares e alheias à gestão civil ambiental no Sisnama, pode causar prejuízos tanto à gestão socioambiental quanto aos cidadãos, ao criar insegurança jurídica e novos gastos públicos".
Nota técnica interna do Ministério do Meio Ambiente.
Procurados pela reportagem, a Casa Civil e os ministérios dos Direitos Humanos e das Relações Institucionais não se manifestaram.
Policiais civis e militares trabalham pela aprovação. A Adepol (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil) firmou com a Feneme (Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais) um pacto de apoio em relação à proposta. Em troca, os PMs devem apoiar o projeto da Lei Orgânica das Polícias Civis, em discussão na Câmara.
Na próxima quarta-feira (4), representantes das entidades se reúnem com um ministro para discutir a LOPM.
"A lei atual é de 1969 e foi feita em um período que não se coaduna com a constituição atual, além de trazer insegurança jurídica e outros problemas. O texto em discussão no Senado é moderno, inspirado em regras vigentes em outras partes do mundo e temos a expectativa de que passe. Seria um avanço grande".
Marlon Teza, coronel PM de Santa Catarina e presidente da Feneme.
"O texto é necessário e essencial para o enquadramento constitucional das Polícias Militares, a pacificação entre as instituições e a valorização de nossa co-irmã (Feneme)".
Rodolfo Queiroz Laterza, presidente da Adepol.
A estratégia dos governistas é passar o projeto e vetar os pontos polêmicos depois. Relator da pauta no Senado, Fábio Contarato é líder do PT na casa. Se passar pela Comissão de Constituição e Justiça, o texto irá à votação em plenário. Caso seja aprovado, o presidente Lula (PT) poderá fazer vetos antes de sancioná-lo.
Hoje, a LOPM está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Inicialmente, a meta era que o texto fosse levado a plenário em julho — mas ajustes impediram a votação. Na Câmara, a proposta foi aprovada na última semana de 2022 por 241 a 128.
É muito importante ter a LOPM. É a oportunidade para se pensar e conceber Polícia Militar que Brasil quer e precisa, o ofício e a identidade do policial militar. Mas a gente entende que hoje o texto em discussão não dá conta disso.
Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
Proposta não se aprofunda em direitos humanos
O projeto em debate prevê a edição de um decreto com regras para ensino de direitos humanos a PMs e bombeiros. Porém, não estipula um prazo para isso — o que é criticado pela sociedade civil. Já os defensores do texto afirmam que a redação visa permitir que o Executivo dê a última palavra sobre tema.
"Hierarquia" substitui "dignidade da pessoa humana" no topo da lista dos princípios a serem seguidos por militares. O segundo tópico abre a relação de diretrizes previstas pelo Decreto 667, de 1969, que regulamenta a área hoje. Na proposta em análise pelos senadores, a "disciplina" é o segundo ponto lembrado e a "proteção, promoção e respeito aos direitos humanos" é apenas a terceira prioridade de PMs e bombeiros.
"No papel, os pontos sobre direitos humanos trazidos pelo Decreto 667 são até melhores do que os propostos pelo texto de lei orgânica em discussão. Na proposta atual, toda a discussão sobre governança, integração e uso da força termina remetida a outros dispositivos, que não sabemos quando serão regulamentados. Até lá, os atuais padrões de atuação das polícias seguirão sendo reforçados".
Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O debate sobre a LOPM se dá em meio a alta de violência policial em São Paulo e na Bahia. Na baixada Santista, a Operação Escudo da Polícia Militar terminou com 28 mortos após 40 dias de vigência. Já na Bahia, outras 29 pessoas foram mortas durante operações em Salvador, Camaçari e Itatim entre 28 de julho e 4 de agosto.
A proposta prevê mínimo de participação feminina que pode virar teto. Segundo críticos, a reserva de 20% das vagas para mulheres pode, na prática, reduzir a esse percentual o espaço para elas nas tropas — o que os apoiadores do texto negam que vá acontecer. No último dia 1º, o ministro do Supremo Tribunal Federal Cristiano Zanin suspendeu o concurso da PM de Brasília por reservar apenas 10% das vagas para mulheres.
A regra em discussão estabelece a exigência de diploma universitário para PMs e bombeiros. No caso de oficiais que ocupam os cargos de chefia na polícia, será obrigatória a formação em direito. Membros da sociedade civil questionam a medida por entenderem que atividades exigem outros conhecimentos básicos. Já os defensores da proposta dizem que exigência já existe em mais de 20 estados, se reflete em melhor relação entre militares e público e negam elitização.
Projeto vincula ouvidorias das PMs a comandantes-gerais. Para críticos, órgão deveria ser independente para atuar melhor. Outro alvo de questionamentos é a previsão de vínculo entre forças estaduais e federais por meio da Inspetoria-Geral das PMs e Bombeiros, a ser comandada por um general do Exército. Defensores da redação dizem que relação mais direta só se daria em calamidades públicas e outras situações excepcionais.
Foto: facebook da PMERJ
Fonte: Portal UOL (