A regra do teto constitucional diz que servidores públicos não podem ganhar acima do salário de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que atualmente é de R$ 46.366,19.
Na prática, para poder “furar” o teto, carreiras do Ministério Público e do Judiciário recebem dinheiro a título de verbas indenizatórias, que não são computadas para fins de teto remuneratório, conhecidos como penduricalhos.
Entenda o que são supersalários dos funcionários públicos
Essa mesma prática tem sido adotada para pagar vencimentos acima do teto para advogados da União, procuradores da Fazenda Nacional, procuradores federais e procuradores do Banco Central, ativos e inativos, com verbas provenientes de honorários de sucumbência.
Esses honorários, devidos pela parte perdedora em processos judiciais, têm origem em ações das causas envolvendo a União, autarquias e fundações públicas federais e são administrados pelo Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA).
“O Conselho Curador utiliza as mesmas táticas do Ministério Público e do Judiciário para institucionalizar a inobservância ao teto constitucional, com a criação de penduricalhos sob a roupagem indenizatória ou retroativa. É essencial que o próprio poder público assuma a gestão e a operacionalização desses valores, com rigor e transparência”, afirma Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil.
O g1 procurou a AGU e o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA) e aguarda resposta.
“Fura-teto”
O estudo “Teto decorativo: impacto orçamentário dos honorários de sucumbência em âmbito federal” aponta que, para driblar decisões do STF e do Tribunal de Contas da União (TCU), que determinaram que os honorários devem entrar no cálculo do teto remuneratório, o CCHA criou diversos “penduricalhos”, como auxílio-saúde complementar e auxílio-alimentação complementar.
“Ainda que o pagamento ordinário a título de honorários propriamente dito (chamada de cota-parte) se dê com a observância da regra do teto constitucional, outros valores geridos pelo CCHA são pagos de forma pouco transparente, a outros títulos, tendo a mesma fonte de recursos (honorários advocatícios de sucumbência)”, diz o estudo.
Só de janeiro a agosto de 2025, o valor pago a 11,7 mil advogados em valores que extrapolaram o teto soma R$ 3,8 bilhões. Entre os servidores ativos, 93% receberam acima do teto constitucional em pelo menos um mês do ano. Entre os inativos, 99,7%.
O estudo não considerou pagamentos eventuais (como 13º e férias) ou indenizações diversas custeadas pela União.
“O gasto bilionário com supersalários impacta negativamente o orçamento público, amplia a desigualdade remuneratória no serviço público e tem efeito desmoralizante na legitimidade do Estado. Quando a população se depara com situações como essa, sua confiança no Estado também é afetada. E isso é ruim para a democracia e para o funcionamento das instituições.”, afirma Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente.
Extra teto ‘explodiu’ em 2022
O estudo mostra que apenas 1% dos servidores ativos que receberam recursos do CCHA ficaram acima do teto em 2020. Em 2021, esse percentual foi de 2%.
Já em 2022, dos 7.546 servidores ativos que receberam recursos do CCHA, 7.446 (99%) receberam acima do teto. Desde aquele ano, esse percentual nunca foi menor do que 92%, registrado em 2024.
O valor pago extrateto a servidores ativos saiu de R$ 452,3 mil em 2020 para R$ 3,5 bilhões só de janeiro a agosto de 2025.
Em relação aos servidores inativos, 0,3% receberam acima do teto em 2020, percentual que ficou em 99,7% de janeiro a agosto de 2025. O valor extra teto pago pelo CCAH aos inativos foi de R$ 490,1 mil em 2020 para R$ 358,1 milhões em 2025.
Mais da metade ganhou R$ 1 milhão
Segundo o levantamento, o valor pago a título de honorários advocatícios pelo CCHA a servidores ativos, aposentados e pensionistas do governo federal e do Banco Central também cresceu exponencialmente de 2020 a 2025.
O montante saiu de R$ 950 milhões em 2020 e chegou a R$ 5,23 bilhões em 2025.
Entre janeiro de 2020 e agosto de 2025, 58% dos beneficiados ganharam acima de R$ 1 milhão e outros 19% ficaram na faixa de R$ 500 mil a R$ 699 mil.
Conforme o estudo, o maior valor agregado pago a um único advogado público no período foi de R$ 1,4 milhão e o maior valor mensal único foi de R$ 613 mil, ambos os casos em julho de 2025.
Quarentena descumprida
O levantamento das organizações mostrou ainda que o CCHA tem descumprido a legislação que exige uma quarentena de um ano para pagar os honorários aos advogados e procuradores.
O estudo mostra que, desde janeiro de 2024, 435 novos advogados receberam R$ 15 milhões do conselho pagos sob a forma de penduricalhos, como auxílio saúde e alimentação complementares, antes de completarem um ano de exercício.
Fonte: Portal G1





















