segunda-feira, 5 de março de 2012

POLICIAIS E FAMILIARES TERÃO SEUS BENS MONITORADOS.

Toda medida que efetivamente coíba a prática de ilicitudes e imoralidades por parte de policiais é válida, afinal, ser complacente com a corrupção policial é admitir a fragilidade de um Estado que se volta contra ele mesmo. Visando evitar esta incompatibilidade, o estado do Rio de Janeiro inaugurou uma medida peculiar, através do decreto nº 43.483, de 27 de fevereiro de 2012, que cria normas para monitorar a “evolução patrimonial incompatível com os recursos que auferem em razão do cargo e disponibilidades que compõem seu patrimônio”. Estão sujeitos às regras policiais militares, bombeiros e policiais civis.

Apesar da aparente boa intenção do governo carioca, algumas controvérsias são flagrantes na medida. A primeira delas surge após a leitura do Artigo 2º do Decreto:

Art. 2° - A posse e o exercício em cargo, emprego ou função pelos agentes citados no art. 1º ficam condicionados à apresentação, pelo interessado, de declaração dos bens e valores que integram o seu patrimônio, bem como os do cônjuge, companheiro, filhos ou outras pessoas que vivam sob a sua dependência econômica, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.


É de se imaginar como o marido ou esposa casado em regime de separação total de bens, por exemplo, obrigará seu cônjuge a entregar uma declaração de bens à instituição em que trabalha a esposa/marido. Se neste caso (de separação total de bens) não for necessário que a declaração do cônjuge seja entregue, criou-se a primeira brecha para que a norma seja burlada. Do mesmo modo, não parece adequada a obrigatoriedade da declaração dos bens à organização que trabalha o pai ou mãe de um filho maior de idade – é até constitucionalmente contestável tal medida.

A efetivação do que pretende o decreto esbarra também na coragem que o governo e as polícias terão em não admitir a prática do segundo emprego por policiais, o bico. Isto porque uma significativa parte dos profissionais de segurança pública, no intuito de complementarem seus salários pífios, possuem atividades informais que não se constituem crime para a população em geral, mas são proibidas para o policial ou bombeiro em razão do serviço público que executa. Reprimir o bico é aumentar a pressão institucional por salários melhores, continuar permitindo é admitir a ineficiência da medida.

O Decreto também pode ser visto como mais uma exclusividade inquisitorial para os policiais e bombeiros – semelhante à proibição ao direito de greve ou às limitações à liberdade de expressão. Para entender do que se está referindo aqui, basta ler o que diz o Artigo 9º da lei:

Art. 9º - Os dirigentes de unidades administrativo-judiciárias da Polícia Civil e os comandantes das organizações policiais militares e dos bombeiros militares deverão permanentemente fiscalizar e identificar, entre seus subordinados, aqueles que exibam sinais exteriores de riqueza incompatíveis com seus vencimentos, bem como aqueles que, de folga, em gozo de férias ou de licenças, demonstrem gastos desproporcionais ao seu padrão salarial.

Com a licença da ironia, o artigo parece sugerir que comandantes ou chefes de unidades monitorem o que andam comprando e consumindo seus subordinados em shoppings, bares, restaurantes etc.

Com estas fragilidades, a fiscalização dos bens dos policiais, nos termos em que está posta, corre o risco de ser uma medida decorativa, sem desdobramentos que não a satisfação político-midiática do combate à corrupção na polícia. Mais: os policiais que vivem resignados com os baixos salários que recebem, e não se adaptam corruptamente ao ambiente de desvalorização, podem se sentir ainda menos cidadãos (qual outra categoria sofre a mesma cobrança?).

Além da possibilidade de serem presos por reivindicar melhores vencimentos, agora são obrigados a atestar sua miséria.

Fonte: Abordagem Policial (Danillo Ferreira)

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