sexta-feira, 18 de maio de 2012

QUANDO É MELHOR O POLICIAL NÃO CUMPRIR A LEI ...

No momento em que você lê este texto, algum policial brasileiro está descumprido a lei. Trata-se de uma atividade cotidiana desenvolvida em quase todas as jornadas de trabalho dos policiais – a prevaricação. O leitor assustado enxergará esta introdução como uma denúncia de corrupção nas polícias, ou como uma generalização irresponsável. Mas não se trata disso, e sim de algo característico da atividade policial: é impossível, pelo menos logisticamente, cumprir a lei em sentido estrito, sempre.

Trata-se de uma conclusão arriscada, que nos apresenta um horizonte do que seja a atividade policial bastante conflituoso. Se admitimos que a polícia não cumpre a lei, ela está autorizada a cometer abusos de toda sorte? Os cidadãos poderão viver ao seu bel prazer, sem serem repreendidos e contidos?

Naturalmente, não se trata disto, mas de certa flexibilidade imposta aos próprios policiais pelas condições disponíveis para o cumprimento da lei. Sem esta dinâmica de omissão legal, a estrutura policial seria inoperável, menos eficiente do que já é. As chamadas “operações padrão”, “polícia legal” ou “tolerância zero”, demonstram claramente que em caso de atuação estritamente legal por parte das polícias, o sistema policial trava – delegacias cheias, viaturas e policiais dedicados a burocracias em vez de policiar as ruas etc.


A experiência na rua acaba ensinando aos policiais que uma escala de prioridade deve ser obedecida, visando excelência e maior produtividade no serviço. Aquele que melhor se utiliza desta escala da prevaricação consentida, torna-se um policial “bom de área”, “desenrolado”, o verdadeiro resolvedor de problemas. Mais vale a apreensão de uma arma de fogo do que a apreensão de alguns veículos irregulares. Mas há casos em que o esforço (logístico, temporal, burocrático) despendido nessas ocorrências são semelhantes, embora tenham valores sociais distintos.

Precisamos pontuar que estas escolhas e a elaboração destas escalas “informais” não desprezam, ou não devem desprezar, princípios éticos e morais. Na verdade, a própria possibilidade de escolha de prioridades, incluindo a dispensa à legalidade, já é uma postura ética, pois “até as pedras sabem” que cumprir a lei não é fazer justiça.

Sim, este é um terreno escorregadio, que exige clareza nos propósitos e argumentos. Entretanto, não se pode negar que, embora as polícias precisem forjar assessores da lei (e não juristas em sentido amplo), é indispensável que as ruas sejam policiadas por administradores de conflitos, gestores preventivos da violência, que saibam elencar prioridades e manipular as variáveis da criminalidade. Sim, a lei é o norte, mas o homem é quem manipula o timão.

Fonte: Abordagem Policial (Danillo Ferreira)

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